“Gentrification is coming

Quando a gentrificação chega, para onde vão os indesejados?

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Revista Subjetiva
5 min readMay 19, 2017

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Em protesto na Praça na Sé, em 2016, contra os insistentes ataques ao Povo da Rua. Foto retirada da página do Coletivo Autonomo Dos Trabalhadores Sociais — Catso.

Tem uma série de comédia da Netflix (um tanto quanto tosca, não que isso seja necessariamente um defeito), Unbreakable Kimmy Schmidt, que em alguns episódios acaba abordando de forma bem interessante a questão da gentrificação, quando a personagem Lillian resolve ser uma força de resistência contra as mudanças que começam a ocorrer no bairro em que reside, na cidade de Nova York. É de uma fala dessa personagem que vem o título desse texto.

Mas o que cargas d’água é gentrificação? Podemos dizer, de forma bastante simples, que é elitização ou enobrecimento de espaços urbanos. Esse fenômeno está ligado a eventos de grande porte, como a Copa do Mundo e Olimpíadas, mas também à soberania do mercado imobiliário. Sabe aquele bairro, onde você mora ou apenas frequenta, e começa a notar que de repente a aparência da região começa a mudar, lojas com produtos mais caros começam a aparecer, casas são substituídas por prédios, os preços dos alugueis disparam, as lanchonetes substituem os velhos botecos? Primeiramente causa um estranhamento, depois vêm a tendência de achar legal, afinal de contas, agora tem muito mais produtos à disposição e logo logo inaugurarão uma estação do metrô. Mas, e as pessoas que sempre moraram ali?

“Ah, basta que elas se adaptem à nova rotina!”

Pode parecer simples. Mas não é fácil como mudar de rotina. A gentrificação altera todo um modo de morar, que está diretamente ligado ao modo de se viver. Os preços sobem, a frequência do bairro muda, as relações de vizinhança se alteram. E isso não é sobre ter uma atitude conservadora que rejeita o novo. É sobre não poder mais pagar o preço do aluguel, ou do feijão. E em diversos casos é perder o lugar em que se vivia.

Em São Paulo, os contrastes de uma metrópole capitalista são evidentes. A Comunidade do Cimento fica na região do Bresser, no encontro da Zona Leste com o Centro, numa área que é ocupada por pessoas sem moradia há muitos anos, mas desde 2015 têm aumentado substancialmente de tamanho, ali entre a Rua Pires do Rio e a Radial Leste. Recebeu esse nome justamente por ficar próxima a um entreposto comercial de cimento, na qual os moradores da comunidade trabalham fazendo carregamento do material.

Durante a gestão Haddad, os moradores da Comunidade do Cimento passaram por um processo chamado de higienismo gentil. Ao longo de 2015 e 2016 houveram diversas denúncias de invasão e agressão por parte de Policiais Militares (PM), além de ações de repressão da Guarda Civil Metropolitana (GCM), sempre negadas pela prefeitura. Foram diversas tentativas de reintegração de posse, às quais o povo da rua, movimentos sociais e pastorais resistiram bravamente e conseguiriam adiar. Mas à quem interessaria a retirada dessas pessoas da região do Bresser? Há indícios de que ali seja uma área de especulação imobiliária, como mostra reportagem feita pela AG Jornalismo.

No final de 2015, a população da região veio a sofrer também com o fechamento das Tendas que ofereciam serviços básicos aos moradores de rua. Esses espaços foram abertos durante a prefeitura de Gilberto Kassab, com fins higienistas, mas acabaram sendo e se tornaram um espaço de convivência entre as pessoas que as utilizavam, estabelecendo relações horizontais com os trabalhadores sociais. Os moradores do Viaduto Alcântara Machado ocuparam a tenda e a transformaram num espaço autônomo, mas na Bresser, infelizmente, a GCM dominou o local.

Se esta foi a realidade enfrentada pelo povo da rua, durante uma gestão que se dizia aberta ao diálogo, o que acontecerá nos próximos anos, já que o prefeito atual está sempre disposta a firmar parcerias e conluios com empresas? O quanto a privatização da cidade piorará ainda mais as condições já precárias dos consideradas indesejados pela sociedade e pelo Estado? Segundo notícias, João Dória teria feito parcerias com duas empresas à fim de gerar empregos de sorveteiros e atendentes de lanchonete para moradores de rua, ignorando o fato de que eles e elas possuem uma rotina nas ruas que é diferente da lógica de tempo das empresas formais e do relógio, além de muitos terem receio de se comunicarem com determinadas classes de pessoas, já que delas sempre receberam desprezo e asco.

Uma outra ação dessa nova gestão foi revogar uma regra de 2016, colocada pelo então prefeito Haddad, que proibia a GCM de retirar cobertores e barracas de moradores de rua, após diversos casos de mortes causadas pelo frio, ou por doenças agravadas pela situação climática. Mas, interessante, é que logo depois da revogação, Dória anunciou uma parceria com determinada empresa que doará cobertores para a população da rua.

O processo de gentrificação traz consigo uma mecânica de exclusão ainda mais violenta no sistema capitalista. Cada vez mais as classes pobres são jogadas para a periferia, para condições de moradia e vida insalubres, o centro é demarcado como espaço onde se permite apenas que essas pessoas vendam sua força de trabalho, para depois passarem mais 3 horas presas num transporte público caro e ordinário. A região da Moóca há tempos vem sendo incluída ao centro expandido e desmembrada da zona leste, o interesse do mercado imobiliário na região é um fato, a gentrificação corre solta, chegando aos bairros do entorno, e atingindo quem mora na região, como é o caso da Comunidade do Cimento. Com uma prefeitura baseada na lógica da privatização, quais são serão os efeitos na vida dessa população que está sempre na mira da arma do extermínio capitalista?

Moradores de rua continuam a serem vistos como não-humanos, jogados para longe de todos os espaços de convivência, indesejados, invisíveis. O Estado não quer vê-los, prefere maquiar a realidade da lógica capitalista, da miséria de muitos diante da abundância de poucos, utilizando os pobres como base de marketing e propaganda de governos que só servem aos mesmos poderes de sempre. Revitalização Urbana. Re-vitalizar? Já existe vida na periferia, nas malocas, nas favelas, nas comunidades. Contrariando as expectativas, as pessoas resistem, tecem redes de solidariedade e juntas constroem espaços de ajuda mútua e sobrevivência.

Foto por AG JORNALISMO

Há pouco mais de um ano o povo ocupou um espaço que estava abandonado, também na Zona Leste de São Paulo, e criou a Republica Autônoma do Povo de Rua, como uma forma de continuar a (r)existir em comunidade mesmo com toda a repressão por parte dos governos. Formaram também o belo projeto, Luta com AMOR — Artesanato das Mulheres Organizadas na Rua, a fim de proporcionar acesso a um aprendizado artesanal às mulheres que moram na rua. Solidariedade de classe e autonomia pela sobrevivência de tod@s.

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