Cruzada em minha pangeia

Relatos pré-pandêmicos

Rafael Oliveira
Revista Subjetiva
3 min readFeb 11, 2021

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Reproduzida da Internet

Faz tanto tempo.

Você é uma cortina de névoa. Aos poucos vai tapando minha visão periférica e confundindo os outros sentidos, preenchendo todo espaço, asfixiando s-i-l-e-n-c-i-o-s-a-m-e-n-t-e. Me proporcionando taquicardia. É como a minha ansiedade: aparenta estar sempre por perto, ainda que não seja palpável.

Sinto que você anda espreitando furtivamente pelos paredes, se escondendo atrás dos objetos, desaparatando quando meu raio panorâmico fica à centímetros de cruzar com a sua pupila.

Inconscientemente penso muito em ti e isso acaba te projetando (parcialmente, fisicamente, já que não posso lhe tocar) no ambiente.

Não possuo certeza se foi um sorriso amarelo, uma gargalhada, um história que você contava e que ouvi sem querer. Tudo ficou meio disruptivo e quando lúcido, em minhas mãos havia um vasinho de terra roxa onde pus uma semente com um formato semelhante a primeira letra de seu nome. À partir daí, rego religiosamente (e esperançosamente) todos os dias.
O diabo está nos detalhes… Os malditos detalhes…

Meu peito contrai, os pulmões se fragmentam, o suor frio, a nuca coça, a boca seca.

Se me pedissem para dizer só um motivo para eu lhe ter esses sentimentos, minha voz falharia. As palavras ficariam receosas em um “sai, não sai, sai, não sai” até que, por fim, vencido e saturado de desconforto, eu digo “não faço a mínima ideia”. A morfologia disforme implica decorrências atraentes, irreais. Afluência de coisas não gentrificadas, sentimentos que nascem e morrem na sarjeta.

Rosa dos ventos — Projeção cartografia
Você está no leste e no oeste, pressionando minhas mãos por segurança ou porque vou momentaneamente perder o equilíbrio devido minha atenção voltada a admiração do pragmatismo de uma infinidade de nadas. No sul, você fazendo cócegas no meu pé enquanto eu solto gargalhadas histéricas, pedindo para parar; Ou quando a gente combina de ir caminhar e revezar massagens nos pés quando retornamos para o nosso lugar seguro. Ou bem no meio, revirando meu estômago pois dizem que o amor faz uma rebordosa dessas, ou porque eu te ensinei a fazer meu prato favorito e você fez e não ficou bom, mas não é sobre o gosto. Contudo, no fim das contas você colonizou o hemisfério norte de mim, só está nos meus pensamentos, nas minhas projeções, nas minhas ambições e nas minhas crônicas.

As palavras são mapas.

O conflito entre pretérito e possibilidade, a antinomia de tu. O algo não dito, o sujeito inexistente que nos contempla. Esse clima tépido me aflige. Um clima onde chove e faz sol em intervalos esparsos, os meteorologistas erram, e o maestro é uma troca de cordialidades onde nada é dito. Há uma troca de mensagens embora nunca houve sequer uma conversa. Uma palavra na iminência de ser dita que, por algum motivo, não sai.

Engoli um sentimento que não está sendo nada fácil regurgitar, mas continua preso na garganta como um quimo. Não quero que ninguém me veja te expulsando, em revolta, pois só há meia metade de ti. E ela é tão espaçosa… Desejo que seja uma abscisão, natural, simples, direta e eficaz. Soube de suas outras colônias de terras mais férteis e desejo violentamente que retorne para lá.

Já não aparece nas minhas idealizações e, acaso te veja sem querer, já não hesito. A viagem sem mapa me levou a um beco de ilusão e para não tornar a me perder, escrevi um mapa. Chamei-o de geografia afetiva. Agora ele me guia por todos continentes, já achados, embora, de vez em quando, chegue em uma insula que jamais coloquei os pés. E as expedições começam, sem saber o que irei encontrar.

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Rafael Oliveira
Revista Subjetiva

Você está nos meus dedos e nos meus pensamentos, embora só escreva de você para falar de mim. Rafaeloljs@gmail.com