Guia dos 7 piores clichês gays!

Bicha, melhore!

_erinhoos
Revista Subjetiva
7 min readDec 19, 2017

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Ser gay é um «estranho privilégio», como diria Guy Hocquenghem.

Ainda que fantasmas moralistas nos persigam com frequência, temos a oportunidade de repensar nossas masculinidades (e feminilidades) e os padrões que envolvem relacionar-se com o outro e com o próprio corpo. Com muita frequência, contudo, desperdiçamos a possibilidade de adotar uma postura crítica que o heterossexismo — e o combate a ele — ironicamente nos tem legado em seu lastro. Este texto é um pequenino inventário de um conjunto de atitudes extremamente comuns dentro da comunidade que carece de problematização séria. Here we go!

Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso) em Amor à vida, 2014, de Walcyr Carrasco.

1. Não me interrompa enquanto eu estiver beijando!

Você certamente já deve ter reparado que, quando está num rolê com amigos e começa a beijar alguém (normalmente conhecido do grupo), é muito comum que, imediatamente, algum ou alguns desses seus amigos se aproximem para interromper o ósculo com frases — ditas de maneira jocosa — como “vamos parar com essa putaria”.

Francamente, faz tempo que deixei de considerar essa atitude (censurar um beijo) uma brincadeira, pois ela acontece sistematicamente. Por detrás de um certo tom jocoso existe uma força que nos impede de sentirmo-nos à vontade fazendo nosso amor acontecer. O que é tão insuportável que não podemos aguentar? Qual é o sentido desse alívio cômico? O que, afinal, ele alivia?

Beijo gay não é safadeza! Eu já ouvi isso de pessoas heterossexuais homofóbicas. Por que repetir essa lorota então? Há de se tomar cuidado com a naturalização da vergonha. Eu demorei muitos anos para conquistar meu beijo público, não quero que meus iguais me impeçam de praticá-lo agora!

2. Não, não vou pedir desculpas por ser quem eu sou!

Um grupo de amigos gays entra no Uber e começa a falar sobre tópicos sexuais… gays. Subitamente um deles se dirige ao motorista e fala, em tom jocoso,“ai moço, desculpa viu!”. Eis outra cena extremamente banal.

Frame de Priscilla, rainha do deserto, 1994, de Stephan Elliott.

Não, eu não vou pedir desculpa pras pessoas hétero justamente por ser a pessoa oprimida pelo heterossexismo por excelência. Por que pedimos desculpa por sermos como somos? Olha aí a naturalização da vergonha de novo. Meu orgulho gay eu consquistei às expensas de muitas surras físicas e morais. Ele é precioso demais pra eu ficar por aí pedindo desculpas por ser assumido.

3. Não aguento mais falar sobre sexo anal!

Por tamanho que seja o espaço que o nosso orgulho conseguiu nos reservar, em alguns pontos continuamos agindo como adolescentes. Eu, por exemplo, moro em São Paulo, que deve ser uma cidade com uma vida gay das mais interessantes no mundo — que tem resistido à política conservadora e às taxas de homofobia letal.

Frame de Pink Flamingos, 1972, de John Waters.

Agora, vamos pegar uma super-lupa e ver o que acontece no dia-a-dia gay da metrópole. Um grupo de amigos se encontra em algum bar da Bela Vista. Em pouquíssimo tempo um vai chamar o outro de “passiva”. Daí pra frente vai ser aquele “neca” pra lá, foda pra cá, uma série de relatos íntimos divertidos ou malogrados etc., e isso vai levar pelo menos meia hora. São aqueles momentos em que eu perco o interesse na conversa, vou comprar uma cerveja — ou água de coco, dependendo do dia — e olhar o movimento.

Sério, nós podemos ser um pouco melhores do que isso! É por sermos gays que temos que encarnar aquela frivolidade mental a que nos acusam com tanta frequência os homofóbicos? Se quisermos ser 100% gays temos que ser eternos adolescentes em busca da autoafirmação? Desculpa, não quero ser esse gay não.

[Edit: A crítica não é anti-sexo nem moralista (eu sou pró-pegação etc.), mas sim aos rolês monotemáticos, com as mesmas conversas sempre.]

4. Só saber falar sobre drogas não te faz sexy, mas babaca!

Sem falso moralismo. Acho mesmo é que as pessoas têm que experimentar o que o mundo tem a oferecer, de verdade, de coração. Sempre criticamente! Mas tem um povo que só sabe falar — além de sexo anal — de padê, K, doce, bala, etc.

Frame de Requiem para um sonho, 2000, de Darren Aronofsky.

Perdão pela franqueza, mas se tudo o que você faz gira em torno somente da fuga da realidade, sua vida cotidiana só pode ser medíocre. Isso porque muitos de nós achamos que liberdade é poder ir a festas de música eletrônica todos os dias. Falamos de escravidão, na verdade, e das piores, porque silenciosa. Escravos do consumo, escravos do hedonismo, escravos de um culto do prazer que não leva a nada — senão expressa o desprezo pela própria subjetividade. Perder o controle o tempo todo não é sexy, é patológico.

5. DJs, não aguento mais Pabllo Vittar!

Ser gay é ser pau mandado da indústria cultural. Com tantos/as artistas indies LGBT sensacionais, nos contentamos com a pequena parcela daqueles/as que são lançados/as por grandes produtores e estúdios direto para dentro dos nossos cérebros, por uma parafernália sofisticadíssima. Qualquer bar e balada toca essas músicas, qualquer restaurante, qualquer academia. São com essas músicas — arbitrariamente eleitas — que construímos uma identidade cultural coletiva. Parece que só é possível dançar e cantar com amigos se for ao som de Beyoncé. Pulamos de uma festa para a outra: sabemos perfeitamente o que ouviremos em ambos os espaços.

Pabllo Vittar na Parada do Orgulho LGBT de São Paulo em junho de 2017.

Minha inserção em circuitos gays tem sido perpassada pela presença onisciente da indústria cultural. Anitta, por exemplo, tem sido um fato social compulsório, pelo qual não é possível se passar incólume — e isso levando em consideração suas músicas, sua postura pública, seus videoclipes. Saudade dos meus tempos de beezinha solitária e alienada do mainstream, quando meu cérebro era mais criativo e meu gosto musical menos tapado.

Ainda em tempo: dá pra conferir o trabalho do boiola records, selo independente que busca dar visibilidade a artistas LGBT.
[Edit: só pra deixar mais explícito ainda, estou me referindo obviamente à lógica e à mecânica da indústria cultural, e não me dirigindo especificamente ao trabalho e tampouco à pessoa das artistas supracitadas! Afinal, o que importa mesmo aqui não são as pessoas-de-carne-e-osso, mas sim seus projetos mercadológicos.]

6. Não, não, não! Você não pode afirmar sua identidade se baseando em práticas machistas!

Essa deveria ser meio óbvia. Inatração por mulheres não autoriza nenhum homem a agir da maneira nojenta que é flagrante nos diversos contextos de sociabilidade onde circulo. Em lugar de representar pejorativamente o órgão genital das pessoas por quem não nos sentimos atraídos, a palavra “racha” deveria continuar significando cisma, o cisma que deveríamos assumir contra o senso comum e o sexismo.

Líder de uma seita, Kai Anderson (Evan Peters) é um homem que assumidamente tem relações sexuais com outros homens em American Horror Story: Cult, 2017, emissora FX. Na trama ele age recorrentemente de acordo com princípios machistas, tomando atitudes misóginas e colocando mulheres umas contra as outras.

Ainda em tempo: este post do BuzzFeed reúne alguns dos argumentos misóginos que circulam com frequência entre gays.

7. NÃO TOCA EM MIM SEM ANUÊNCIA, PORRA!

O que resta de toda essa autoatribuída exuberante liberdade a que somos tão apegados quando nos flagramos apalpando e sendo apalpados por outros homens em pistas de dança e festas de rua? Pois é! As condições históricas da formação de uma identidade coletiva não favoreceram o desenvolvimento de uma reflexão densa sobre políticas de consentimento e os limites da violação dentro da comunidade LGBT.

Ser gay livremente estando longe da vanguarda política já é uma tremenda boçalidade reacionária, quanto mais achar normal e justificável ficar bêbado e puxar seus iguais à força — quando não, chegar ao ponto de forçar alguém a praticar afeto-sexo de qualquer natureza.

Kevin Spacey em House of cards, iniciada em 2013, de Beau Willimon, série produzida pela Netflix. Acusado este ano de assédio por gente de teatro e cinema, o ator se encontra atualmente afastado da linha de produção.

Francamente, ser gay não pode ser participar de toda essa merda. Não é para isso que celebramos o nosso orgulho! Este texto é um alerta sobre aquilo que podemos nos tornar: sujeitos parcialmente emancipados, orgulhosos do vácuo histórico que construímos ao soterrar nosso orgulho e espaço conquistados com futilidade, heterossexismo, ignobilidade política e apedeutismo anti-histórico e antiintelectual.

Se você concorda ou discorda, muito que bem! Estamos aí para ampliar os debates aqui dentro do Medium e fora dele, nas redes sociais e, principalmente, nas ruas e pontos de sociabilidade! Por uma vida gay criativa, não pasteurizada! Por uma vida gay crítica, isto é, libertária!

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_erinhoos
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_antropólogo, barista informal, errante incorrigível, cantor de karaokê, sérião nas horas vagas