Ser adulto? Deus me livre! Quem me dera.

Sobre os tropeços que fazem doer o dedão, mas te fazem prestar atenção ao caminho.

Yasmin Narcizo
Revista Subjetiva
6 min readDec 26, 2018

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Pausa dramática assim, de cara, já no início do texto: quando é que você virou adulto (se é que já virou)?

TEMPO!

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Aqui vai o meu pitaco: existe mais o momento que você realiza que já é adulto do que o momento que você de fato se torna um.

Deixa eu contar uma história que aconteceu comigo pra ajudar a explicar essa ideia.

O dia em que eu me senti adulta

Por fatores variados, eu queria sair da casa da minha família. Eu já trabalhava há muuitos anos, tinha uma grana que dava pra dividir uma casa com alguém (ainda que não fosse assim, meu deus, que casa), já arcava com os meus gastos e contas pessoais e sentia que estava na hora de ter o meu canto.

Fui morar com duas meninas que eu não conhecia direito, uma delas trabalhava na mesma empresa que eu e a outra era uma conhecida dela da faculdade. Ninguém era íntima de nenhuma das outras duas, mas o desespero de morar longe de onde a gente trabalhava falou mais alto e lá fomos as três dividir uma casa com meras desconhecidas. Posso dizer com propriedade que o perrengue aproxima as pessoas.

Conta pra lá, faxina pra cá, eis que num fim de ano como esse do qual vos falo eu volto pra casa pra deixar o computador da empresa antes de ir pra festa da firma®. Vou narrar os meus pensamentos pra vocês terem noção do que estava passando aqui dentro.

“Oloko, a galera lavando a portaria assim, no meio do dia?”
- Dona Yasmin, tá vazando água lá do seu apartamento. A gente tentou falar com vocês, mas só tinha o telefone do proprietário e ele não atendeu.

“Lá vamos nós gastar dinheiro com vazamento.”
- Putz, valeu, Bira. Vou correr lá e ver o que é que está acontecendo.

Pra encurtar a história, a água que estava “lavando” a portaria descia 3 andares de escada pra chegar ali porque ela saía do meu apartamento. Quando eu abri a porta de casa, amigo, era água no meio da canela.

“Se eu fechar a porta e for embora pra festa, será que dá muita merda? Como é que se tira tanta água assim de um lugar, gente? F*deu. Se eu chorar agora tudo bem ou é muito escroto?”

Eu dei uma leve choradinha, especialmente quando vi os nossos chinelos, que ficavam lá dentro nos nossos respectivos quartos, chegarem boiando até a sala. Aí é aquele momento que você cai na realidade, respira fundo e… Isso mesmo, chama ajuda.

Primeiro passo: mozão, socorro, deu ruim. Segundo passo: liguei para uma das meninas que morava comigo que, só pela minha voz no “Isadora”, já lançou um “aimeudeus, Yasmin, que que houve?”.

Rapidamente os dois apareceram por lá, catamos rodos, pedimos até os da manutenção do prédio emprestados e literalmente arregaçamos as mangas pra tentar salvar o chão de madeira, que tinha tudo pra descolar e causar o maior prejuízo. Logo eu, que estava reclamando pra caramba do calor do Rio de Janeiro em pleno dezembro e vivia dizendo que queria ter uma piscina no prédio. Cuidado com o que você deseja, meu querido, porque pode se voltar contra você.

“Gente, que coisa louca”, rimos muito, mas a realidade nua e crua é que o chão ficou meio bambo mesmo e andar de noite tropeçando nos tacos empenados virou uma pequena aventura.

Pra quem ficou curioso com o que aconteceu, o chuveirinho do banheiro rompeu o cano sozinho e jorrou água até não poder mais. Depois de “use filtro solar”, a segunda dica mais importante que você pode ouvir é “feche o registro do seu chuveirinho” (é sério, depois, quando fui comprar um novo pra substituir, descobri que isso até vem escrito na embalagem).

É sobre experiências, não sobre idade

Quando a gente tirou a água da casa no braço, avaliou as possíveis perdas, calculou quanto custaria o conserto de tudo (móveis mofados, com os pés estufados e outras cositas más) e seguiu o baile é que me deu o estalo.

Lá estava eu, pronta pra arcar com as consequências de uma merda federal, que poderia até causar problemas no vizinho de baixo (grazadeus, não causou), da melhor forma que eu conseguisse. Não tinha outro jeito.

Foi naquele momento que eu passei a me enxergar madura o suficiente pra ganhar o rótulo de adulta (vamos falar sobre isso mais pra frente). E nem doeu!

São as experiências que fazem você amadurecer e ganhar a responsabilidade que associamos a ser adulto, não a idade.

Talvez por isso eu conheça tanta gente que não se sente adulto ainda, geralmente justificando com “sei lá, eu ainda me vejo muito novo”. Em teoria, passou dos 18 você já é adulto. Eu não sei você, caro leitor, mas aos 18 eu não me sentia essa Coca-Cola toda pra conseguir gerir uma casa, pagar contas e ainda levar a faculdade sem maiores problemas.

É claro, existem adultos que são enrolados pelo gerente do banco, que se enfiam em um monte de dívidas, que ficam na dúvida sobre o que fazer com o emprego que odeiam, tudo isso e muito mais. Eles não nascem sabendo resolver todas as coisas e nem evoluem tipo um Pokémon, eles só se acostumaram a lidar com o que aparece pelo caminho. São exatamente os perrengues que você passa que te deixam calejado pra lidar com outras situações no futuro. E assim vamos ganhando bagagem, a famosa experiência.

Adulto, um conceito relativo

Ser adulto tem um certo quê de responsabilidade e independência, né? Sinal de que você está se virando bem e, em breve, se tudo correr como o previsto, será “bem sucedido” (outro conceito relativo que só). Mas o que significa ser adulto pra você?

Uma moça, na época da minha avó, se tornava adulta quando estava pronta pra ficar noiva de um rapaz (tempos mais caretas), casar e botar herdeiros no mundo. Não é à toa que a gente ouve até hoje das mulheres mais velhas da nossa família que “na sua idade, eu já tinha dois filhos”.

Já a geração dos meus pais espera que eu tenha um cargo que me pague bem, numa empresa grande e estável, para que eu possa ter uma casa grande e confortável e, quem sabe, comprar um carro zero. Até chegar nesse patamar de sucesso, eu seria uma espécie de adulto em fase de testes.

Eu fico me perguntando quais são os marcos que definem o que é ser adulto para cada um, especialmente nos dias atuais, em que as expectativas sobre as nossas vidas estão um pouco mais fluidas. Estamos cada vez menos seguindo roteiros assim certinhos sobre o que devemos fazer e em que ordem.

Ser adulto pode ser trabalhar para pagar um curso no exterior, enquanto ainda vive na casa dos pais. Ser adulto pode ser viver numa república com amigos. Ser adulto pode ser se sentir capaz de viajar sozinho. Ser adulto pode ser meramente conseguir pagar as contas. Tem algo de lidar com responsabilidades, mas não precisam ser sempre as mesmas responsabilidades.

Acabo chegando à conclusão que se não é sobre ganhar idade, também não pode ser sobre colecionar eventos marcantes na sua linha do tempo. Certamente existem marcos temporais que mudam completamente a sua vida. Ter filhos deve ser um deles, por exemplo. Mas ser adulto, a meu ver, está mais ligado aos aprendizados e a alcançar o que nós mesmos temos como objetivo, enquanto aprendemos a levar a vida.

E, na minha breve experiência é uma coisa louca e engrandecedora, incrível e desesperadora, confusa, mas libertadora. É mesmo um “deus me livre, mas quem me dera”: algo desafiador.

Que adultescer possa sempre ser um processo no nosso tempo, com a coragem que tivermos para oferecer, pautado nas nossas próprias noções de sucesso, baseado nas nossas próprias experiências. E, de preferência, sem parar jamais de aprender.

Assim é gostoso amadurecer.

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Yasmin Narcizo
Revista Subjetiva

Jornalista por formação, publicitária na raça e autora do “Não tô sabendo lidar”, à venda na Amazon. Observa o mundo com olhos de quem não entende nada mesmo.