Ideia Legislativa propõe culpar vítimas de estupro como crime hediondo e inafiançável

Mayra Chomski
Revista Subjetiva
Published in
7 min readApr 20, 2017

O PORTAL E-CIDADANIA é administrado pelo Serviço de Apoio ao Programa E-Cidadania, unidade que integra a Secretaria de Comissões, subordinada à Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal, e por ele, qualquer cidadão pode mandar sua iniciativa e divulgar para chegar a 20 mil apoiadores, após chegar a esta meta, a ideia é encaminhada para a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), onde receberão parecer.

No dia 12 de dezembro de 2016, chegou ao PORTAL E-CIDADANIA uma ideia legislativa de “Torna falsa acusação de estupro crime hediondo e inafiançável”. Esta ideia visa tornar a vítima de estupro a criminosa, ser condenada por crime hediondo, que são crimes considerados mais cruéis, eles não são suscetíveis de indulto, graça, anistia e nem fiança. Isso quer dizer que se uma pessoa for estuprada, for até a polícia e não tiver provas do ato, ela pode ser condenada, assim, a vítima se tornará réu.

Essa ideia legislativa surgiu a partir de um grupo do Facebook chamado “Eu não mereço falsa acusação de estupro”, que na teoria defende-se homens que foram acusados injustamente por estupro. Neste grupo contém reportagens dos casos que já saíram na mídia, que alguma mulher mentiu sobre o abuso ou homens que foram confundidos na rua com os agressores. E nesses posts eles descarregam a raiva que tem contra as mulheres, as chamando de “vagabundas” e acusando que não existe a cultura do estupro, para eles, o que existe é a “cultura da falsa acusação do estupro”. A ideia do grupo veio a partir de uma notícia no jornal Extra, em que uma psicóloga do Tribunal de Justiça afirma que 80% das denúncias de assédio sexual são falsas. Nesta mesma notícia, a própria psicóloga afirma que as as mulheres recorrem a isso para tentar afastar o agressor. E isso tem lógica, pois na maioria dos casos, o parceiro ou alguém muito próximo à vítima é o agressor, que muitas vezes ainda não a agrediu, mas a ameaça, com medo e sem saber o que fazer, ela, mal informada, vai até a delegacia e o acusa de estupro, pois nesses casos a justiça costuma ser mais rápida.

A Lei 12.015 de 2009, do Código Penal protege a dignidade sexual de todos, sejam mulheres ou homens, e divide as vítimas entre maiores de 14 anos e menores de 14, que são consideradas vulneráveis perante a lei. O crime de estupro se configura quando o agressor constrange e força a vítima, e também quando existe violência física e/ou moral. E a Lei Maria da Penha, de 2006, descreve violência sexual cometida por alguém da rede social da vítima: “Qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos”.

“A mulher teme, principalmente, não ser acreditada. Esse sentimento, aparentemente infundado, de fato se justifica. São incontáveis os relatos de discriminação, preconceito, humilhação e abuso de poder em relação às mulheres em situação de violência sexual.”
Jefferson Drezett, médico e especialista em Ginecologia e Obstetrícia, coordenador do Serviço de Atenção a Vítimas de Violência Sexual do Hospital Pérola Byington (SP).

A cada 11 minutos uma mulher é violentada no país, estimativa de tempo baseada nos 47,6 mil casos de estupro registrados em boletins de ocorrência no país em 2014, imagina este número como é maior com as denuncias que não são realizadas, já que a maioria dos estupros não são denunciados pelas vitimas por elas terem medo de serem discriminadas e humilhadas. O estupro é um dos únicos crimes em que a palavra da vítima é questionada, sempre irão a acusar de ter provocado e irá sofrer inúmeras violências mesmo no momento de denúncia, que deveria ser um lugar de acolhimento a vítima.

Apenas 10% das mulheres denunciam as agressões, as outras 90% não procuram ajuda devido o medo, vergonha, humilhação, culpa e a maior parte da violência acontece no ambiente doméstico, pois infelizmente a cultura do machismo ensinou à milhares de mulheres que é normal ‘servir’ a seu companheiro, então a própria vítima não reconhece a agressão — observamos muito bem isso no caso de assédio no programa Big Brother Brasil, onde Marcos assediava Emily e ela achava normal, e quando ele foi expulso da casa, ela se sentiu culpada por tudo.

“Existe, por exemplo, o estereótipo da hipersexualização da mulher: é como se uma mulher que já fez sexo uma vez fosse estar sempre disposta, a fim de sexo, e sua autonomia de escolher quando e com quem se relacionar não é respeitada.”
Heloísa Buarque de Almeida, professora do Departamento de Antropologia Social da Universidade de São Paulo.

Infelizmente, a Lei Maria da Penha e a Lei do Código Penal, que protege a dignidade sexual de todos, ainda não é eficaz, se fossem, não teriam apenas 10% dos casos denunciados, e criar uma ideia legislativa para punir as mulheres não ajuda — ajudará apenas aos estupradores — , esta ideia se transformada em lei irá fazer retroceder os números igualando aos da épocas de nossas avós e mães. Além disso, irá colocar em risco à vida de milhares de mulheres, que amparadas pela denuncia conseguiram uma liminar para manter afastado seus agressores.

Acusar a vítima de estupro que não tem provas da violência é um absurdo, porque, segundo números do Hospital Pérola Byingnton, na maior parte dos casos ele não deixa marcas visíveis:

“Não dá para encontrar danos físicos na maioria dos casos, os estupros são praticados sob grave ameaça. Nesses casos, marcas de violência física simplesmente não existem. De 10 mil mulheres e adolescentes atendidas pelo serviço do Pérola Byington, apenas 11% apresentavam traumas físicos. Em 90% dos casos, elas não tinham nenhuma marca no corpo e, em 95%, nem sequer marcas nos genitais.”
Jefferson Drezett, médico e especialista em Ginecologia e Obstetrícia, coordenador do Serviço de Atenção a Vítimas de Violência Sexual do Hospital Pérola Byington (SP).

Sendo assim, se esta proposta algum dia for aprovada, como a mulher irá provar a violência? A maior parte dos casos, como dito acima, acontece sob ameaça e principalmente em ambiente familiar, principalmente em momentos em que não há testemunhas. Então, qual seria a solução da justiça com esta possível lei? Ignorar as denúncias da mulher, sem investigar e prende-la? Obviamente, a justiça não pode agir desta maneira, pois deve agir no primeiro instante acreditando na vítima. Deve acolhe-la, pois se a destratar, ela nunca irá se abrir sobre o que aconteceu. Mas se a ouvir com delicadeza, irá conseguir dar as informação necessárias para as investigações. Uma investigação cuidadosa e bem conduzida, que começa acreditando na vítima, é essencial para o processo penal e, em última instância, da condenação daqueles que são culpados de estupro. Ocorre que é também a melhor forma de inocentar os que foram falsamente acusados. Assim, a polícia deve acreditar, acolher e também verificar, nenhuma sentença deve ser dada sem investigação, mesmo que não tenha provas, a palavra de uma mulher que diz ser violentada deve ser levada em conta, e se depois de toda investigação rigorosa for comprovado de ela mentiu, ela pagará, como qualquer outra pessoa que mente para a justiça.

“É bom lembrar que uma jovem que denuncia um familiar próximo — pai, tio, padrasto — que a estuprou ou que a estupra regularmente é facilmente mandada de volta para casa, onde encara a vingança violenta de seu estuprador, sem amparo nenhum. Muito frequentemente, na decisão de denunciar, a jovem não encontra nem sequer o respaldo da mãe, cuja única preocupação, às vezes, consiste em preservar seu relacionamento com o pai ou padrasto.”
Contardo Calligaris, psicanalista, doutor em Psicologia Clínica.

E seguindo a lógica de culpabilizar a vítima, seria a mesma ideia de uma vítima de assalto ser culpada por levarem seus pertences e ela não ter provas, pois podem acusar dela ter perdido seus pertences ou esquecido em algum lugar. Essa tentativa de projeto é um atestado de morte para muitas mulheres que hoje colocam toda sua esperança na lei que as protege. É mais uma tentativa de silenciar a vítima de estupro e sair impune de um crime bárbaro como esse.

Essa sugestão legislativa tem o objetivo de prejudicar as mulheres judicialmente, oferecer uma sensação na diminuição de denuncias que na verdade será o silenciamento de milhares de mulheres pelo Brasil e a não punição dos agressores.

Como Andressa Faria de Almeida escreveu na revista Fale Com Elas:

Como re(x)istir?

Você, mulher, que denuncia

O abuso que sofre, que te atormenta, que te transtorna a vida

Agora pode ser condenada se não conseguir provar

Que realmente foi estuprada

O crime será hediondo, inafiançável

Então que fique claro:

Se você é do gênero feminino e passou por um estupro

Entenda logo de uma vez

Que é melhor ficar calada

Porque a sociedade não se importa

A Justiça não te protege

E a lei não vai te acolher

Todos te querem mesmo bem quietinha

Tomando muito cuidado para não ser a próxima vítima

Porque se der o azar de ser

Já fique sabendo:

Ninguém vai cuidar de você!

Neste momento, a matéria está sob análise na Casa. Se você ficou indignado com tudo isso, não permita que este absurdo vá além. Clique aqui, vote NÃO e conte à todos sobre este absurdo!

Lembre-se: qualquer ato com sentido sexual praticado com alguém sem seu consentimento, até mesmo um toque íntimo ou um beijo à força, hoje é considerado estupro pela lei.

Se você passa ou já passou por algum caso, não se cale, conte para as autoridades. As denuncias podem ser feitas através do Ligue 180, que é a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência e pode também ir até em qualquer delegacia ou se sentir mais à vontade procure diretamente a delegacia da mulher em sua cidade.

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