INCONTÁVEIS II — O Anjo

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Revista Subjetiva
Published in
2 min readMay 10, 2017

INCONTÁVEIS

Série que reúne pequenas narrativas baseadas nas histórias da Tia Nené. Histórias que corriam o risco de permanecerem escondidas sob o véu da ordinariedade.

I — O ANJO

Uma vez, quando eu era nova e ainda morava no sítio, eu sonhei que ia morrer. Daqueles sonhos bem reais, sabe? Quando acordei assustada, tinha uma menina bem loira ao lado da cama, olhando pra mim, de cabelos cacheadinhos e vestido claro. Ela apareceu bem na minha frente, era muito bonita, e ela falou assim: “vai ser amanhã ao meio dia”. E sumiu. Como aconteceu logo depois do sonho, só podia significar uma coisa.

Conforme ela contava, eu me arrepiava. Quais são os limites do nosso cérebro, afinal? Como podemos preparar armadilhas tão sinistras visando nossa própria captura? Ou será que foi mesmo assombração? Mas que sentido haveria em avisar alguém da própria morte sem dar-lhe as ferramentas necessárias para evitá-la? Sadismo? Não. Provavelmente só mais um fantasma de si mesmo, uma expressão do inconsciente e suas traquinagens.

Na manhã seguinte, bem cedo, fui pra roça com aquilo na cabeça. Era só eu e o Nêgo, meu irmão, e nosso pai dava pra gente umas enxadinhas menores, tanto na base quanto no cabo, e muito bem afiadas. Não tinha relógio, mas na pedreira ao lado do sítio eram provocadas explosões diárias, às nove e às onze horas da manhã, que podíamos escutar claramente. Estávamos trabalhando quando ouvi o primeiro estrondo. Tudo bem, me contive e foquei exclusivamente na atividade que exercia. Mas quando ouvi o segundo, eu gritei. O Nêgo olhou preocupado, achando que eu tivesse cortado o pé. Eu disse que não e expliquei o que estava acontecendo. Contei que sonhei que estava morrendo, e que quando acordei uma anjinha me disse que seria ao meio dia, por isso eu tinha certeza. Você deve me achar muito burra por acreditar nessas coisas, mas o Nêgo, você não imagina o que ele me respondeu. Era de se esperar que o irmão mais velho fosse botar algum juízo na minha cabeça, me tranquilizar. Ao invés disso ele largou a enxada e disse, já saindo: “Então, corre, Nené, que ainda dá tempo de você morrer em casa!”.

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