Já parou pra pensar como é fácil matar Jesus?

Nathália Coelho
Revista Subjetiva
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2 min readApr 2, 2021

No Brasil, todo dia é sexta-feira santa…

Cena protagonizada por Mel Gibson — Filme The Passion of the Christ, 2004

Jesus foi morto três mil setecentos e setenta e nove vezes pelo covid só nessa quinta-feira no Brasil.

Jesus asfixiado, com pulmões comprometidos, esgotado de forças, esperando leitos, olhos assustados como quem clama esperança no cuidado por outros Jesus de 24 horas de plantão e rosto ferido pela N-95.

Cento e vinte e uma vezes Jesus morreu só aqui no quadradinho do DF.

Enfileira os corpos de Jesus em sua imaginação para dar conta da dimensão dessa crucificação em massa.

É cruz que não cabe no gramado do Mané Garrincha. Talvez dê a volta numa das pistas do Parque da Cidade. Faça o exercício pensando num monumento da sua cidade.

Assassinamos Jesus todos os dias, devagar, só pelo prazer de satisfazer nosso Judas interno e algumas moedas de outro.

Assassinamos Jesus porque somos tão ignorantes, pequenos, atrasados que nem 2 mil anos foi capaz de cessar o culto ao próprio umbigo.

A cada Fake News que compartilho enfio uma lança no tórax de Jesus.

Imagino Pedro negando Jesus, a Ciência, o passado histórico e o próprio vírus.

Vejo nossa insensatez na multidão que grita “Barrabás!” Ao som de Tuts tuts, umas cervejas e uma festinha clandestina. Coisa pesada mesmo. O vírus está em você? Porque não chegou até a mim.

É muito fácil matar Jesus. No Brasil então, as mortes são institucionalizadas por terno de 5 mil reais com perfume francês, numa tarde de quarta-feira.

Jesus morre no Brasil desde o século 16, quando o primeiro navio português aportou nesse território.

Jesus foi execrado 300 anos no tronco e Senzala, depois jogado nas ruas, demonizado pela lei da abolição da crucificação de Jesus.

Jesus já foi executado por amor, tantas vezes, na própria casa.

Jesus já até cansou de ser morto pelo “conhecereis a verdade e ela vos libertará” desfilando na boca dos fariseus do Planalto.

No Brasil, a semana sempre é santa e tem sete sextas-feiras da paixão, 365 vezes por ano. Eu me pergunto o que fazemos para chegar no domingo…

Ainda que a minha carne não esteja viva, tenho esperança milenar de um tempo em que nós, humanos, vamos preferir dar vida a Jesus no âmago do nosso espírito, ao invés de matá-lo.


(Nathália Coelho)

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Nathália Coelho
Revista Subjetiva

Jornalista. Professora. Escritora. Dra em Literatura (UnB). Um monte de coisa, enfim, um tanto de nada… https://www.instagram.com/@_nathaliacoelho