Janela com Vista para o Lado de Dentro

Ou Uma Sessão de Terapia com Cartas de Tarot

Julia Caramés
Revista Subjetiva
4 min readSep 22, 2020

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Arquivo Pessoal (After Tarot — Editora Lo Scarabeo)

6 de Ouros e a Generosidade

Se sou e respiro um amor figurado por mim mesma, apenas eu o conheço bem. Dediquei anos enérgicos a dividir e doar esse sentimento aos outros, mas não o obtive em troca. Veio em frações muitas vezes microscópicas e agora percebo que nem eu fui capaz de enxergar com precisão. Calculo que por falta de avisos mentais, bati de porta em porta oferecendo a tal palavra, mas não recebi nenhum tipo de resposta.

4 de Ouros e a Possessividade

Talvez por querer abraçar o mundo com braços e pernas me vejam meio Medusa. Não peço perdão pela passagem e nem por causar essa impressão. Veja bem, você vai encontrar em mim aquilo que bem entender e provavelmente, será uma figura, um mito, criado por seus próprios desejos. Então arranho, encrespo e inflamo. De intensa minha natureza se espalha, domina, impregna e me come por dentro. Atravesso enredos e constelações de palavras. Sufoco e de repente nem dá tempo de aquilo que eu mais queria chegar porque no meio do caminho eu já estraguei tudo. São esses os corredores emocionais que o destino nos leva a percorrer no fim das contas. O apego é vaidade e eu peco pelo excesso. São margens doídas embaralhando as linhas. Por um instante, quase recuperei as palavras.

9 de Ouros e a Abundância

Quando penso na figura de Vênus sinto que existe uma chance de a gente se camuflar e dançar pela magia. Já falei do cheiro do mar? A terra é perfumada. Ponho a culpa nos astros que me presentearam com um mapa de ouro: Sol em Virgem, Ascendente em Capricórnio e Lua em Touro. Vê? Sou feita de barro, do pó da terra, nasço e morro todos os dias. O amor é o alimento que quer bem muito antes de começar a amar. Não quero mais plantar sementes que amanhecem apodrecidas. Minha linguagem é concreta, nada obtusa e eu exijo certa compaixão. Não uso perfume que me contrarie. Não beijo quem me provoca e espezinho em quem me mal disser. Sou sensorial e rastejo por onde há espaço. Me encaixo, me desdobro e me adapto. Quem me come por dentro é a ânsia. Mas fogo que se controla aquece e abraça. Vivo no futuro e duelo com aquilo que não se apresenta depressa. Tenho medo de escuro.

7 de Paus e a Coragem

O amor é um processo de profunda entrega e envolvimento. Um ato de bravura heroica se você quer saber. Abandonar o controle e mergulhar no desconhecido é dar de cara com os riscos sem nem saber a cor das garantias. Elas sim, gargalham envoltas por uma fumaça de cigarro que nunca queima até o fim. Nuances hipotéticas. Esqueça os planejamentos, os segredos, as artimanhas. A conquista se vale da vulnerabilidade. Sabe que eu sempre me apaixonei por quem chora com facilidade. Com quem abre o peito e não se deixa morrer pelo medo de dizer o que se sente. Os batimentos que combinam com os ponteiros do relógio. Eu acredito no invisível.

O Mundo é o Ápice

Somos feitos de matéria espontânea. Perambulamos e valsamos por cordas e fios de violas que choram e violeiros que cantam: a vida não é chegada. A queda só é de sete metros porque o que querem de mim é paciência. Às vezes me dá um medo danado de não sustentar minha própria arrogância. Que sei de mim a não ser que sou. O jeito agora é ir sendo. Minhas urgências tem fome de um certo grau de sabedoria que não se encontra nos livros. Transcender é uma revolução. O que há de mim se não o outro? E todas as partes que me cabem também são minhas mas se descolam. Seres livres por puro instinto. A mente que flutua combina com a porosidade da pele, se abre, é indivisa e naturalmente andrógena. Uma dançarina nua que se guia pelos traços e vai bailando até a noite virar dia e o dia virar noite. Uma balada inabalável.

Às de Espadas e o Triunfo Mental

Mas saber combinar polos opostos é cantarolar o sonido da harmonia. Anjos e suas harpas param para ouvir a música que surge entre as nuvens. Anjo, sempre quis ter um quê de anjo, de serena, de sublime. O auge do equilíbrio. O problema é que gosto de andar descalça e sempre me perco no meio do caminho. Me distraio com trepadeiras, primaveras, eucaliptos. Tudo que tem na rua e eu não sei o nome mas sei que a natureza quer me dizer. É um alívio, porque esqueço as falas e de repente estou aos gritos com não sei o quê. Quem é que está comigo que não eu? Tudo que brota, que vive, que morre, sou eu e é você também. Não somos infinitamente elásticos e ponha isso logo na cabeça. O segredo é místico. Os impulsos do coração nunca devem ser revelados. Pressionar para que se revele a virtude mais íntima é violentar a conexão com o eu.

É preciso aprender a lançar uma ponte sobre o abismo. Seres materiais e espirituais se fundem como ouro. Já não existem erros do passado convergindo com as quedas do futuro. Meu tempo é hoje. Viver é uníssono e devemos nos mover pela vida de maneira integrada e natural, como uma coreografia que se aprende sem ensaio. Não se distingue o dançarino da dança, mas como eu descobri isso eu não te conto. Você vai ter que olhar o mundo bem de perto, geometricamente, pra entender também.

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Julia Caramés
Revista Subjetiva

Se veio aqui procurar alguma coisa me dá a mão que eu tô procurando também