“Jojo Rabbit” discute com ternura e graça os horrores do nazismo

Andressa Faria de Almeida
Revista Subjetiva
Published in
4 min readFeb 4, 2020

O humor satírico em muitos momentos da nossa história foi usado como uma ferramenta para combater diversos tipos de opressão, e não é a primeira vez que vemos governantes (e sistemas) totalitários sendo ridicularizados intensamente na grande tela. Um exemplo sempre atual é “O Grande Ditador”, de Charles Chaplin, que deixo aqui como indicação, caso você nunca tenha assistido.

Poderíamos, portanto, pensar que “Jojo Rabbit” não tem nada de novo para nos oferecer, mas estaríamos redondamente enganados se acreditássemos nessa premissa. Isso porque o novo longa de Taika Waititi é de fato mais um a gozar das principais estruturas do nazismo, mas seu destaque está justamente na sua capacidade de mesclar essa proposta com a humanização de personagens normalmente tratados como verdadeiras caricaturas do regime, um cuidado importante em um presente tão polarizado como o nosso.

Cuidado esse que não seria possível sem o livro que originou o filme, escrito pela neozeolandesa Christine Leunens. Nele somos apresentados a Jojo, menino recém-integrado à Juventude Hitlerista, que tem Adolf como seu amigo imaginário e em meio aos esforços de guerra descobre que a sua mãe está escondendo uma judia em sua casa.

O tom que a adaptação nos apresenta desde o seu início não permite que acreditemos nem por um segundo que seu desfecho será completamente negativo, ou que debateremos durante as suas duas horas de duração algo distinto da importância de tolerarmos as diferenças e de nos afastarmos da violência.

Ainda assim, acompanhar essa trajetória não deixa de ser delicioso e edificante de várias formas, e os méritos para que uma caminhada tecnicamente previsível seja tão prazerosa estão principalmente nas mãos de Waititi, que não tem medo de imprimir a sua conhecida imprevisibilidade artística tanto no roteiro quanto na sua direção, que flerta com o absurdo e o inacreditável em quase todos os instantes, sem jamais perder a doçura ou ignorar a seriedade do que está sendo contado.

Se deixarmos de lado algumas mudanças de tom abruptas ao longo da trama o seu trabalho aqui se revela extremamente caprichoso, e é de se aplaudir de pé a sua coragem de ir para a frente das câmeras interpretar um personagem para lá de controverso e incômodo, ainda que visto pelos olhos de um garoto de dez anos.

Falando nele, Roman Griffin Davis já é sem sombra de dúvidas um dos melhores atores de sua geração, e acompanhar a tomada de consciência de Jojo a partir da sua performance é profundamente tocante e encantador. Suas interações com a judia Elsa (interpretada por uma ótima Thomasin McKenzie) são maravilhosas, ainda que se repitam contínua e desnecessariamente. Nada que prejudique a experiência, no entanto.

Também é preciso exaltar o trabalho de Scarlett Johansson como Rosie, mãe do protagonista, que apesar do fanatismo do filho pelo nazismo nunca deixa de trazer consigo um contraponto meigo e otimista para os seus discordâncias, enaltecendo o poder do laço que os conecta com simbolismos belíssimos, como o simples ato de amarrar os cadarços de um sapato.

Algo semelhante pode ser dito sobre as trocas entre Jojo e seu colega de Juventude Hitlerista Yorki, encarnado por um surpreendente Archie Yates, que confere à sua interpretação altíssimas doses de carisma e graça, se transformando naquele personagem que a gente lamenta não ver tanto na tela e deseja acompanhar por bastante tempo no futuro. Também teria sido adorável aproveitar mais a presença do Capitão Klenzendorf de Sam Rockwell, que nos brinda com mais uma excelente performance em 2019.

Além disso, outros elementos são primordiais para que a gente mergulhe nessa fantasia debochada de Waititi, e alguns dos que chamam mais a atenção são a lúdica trilha sonora incidental de Michael Giacchino (acompanhada de canções mundialmente conhecidas, várias delas cantadas em alemão) e a instigante fotografia de Mihai Malaimare Jr., que faz questão de nos mostrar aquele universo única e exclusivamente do ponto de vista de uma criança, ao selecionar ângulos que acolhem aos pequenos. A lógica das suas cores também acompanha esse entendimento, nos oferecendo sempre uma paleta quente e convidativa, que só esfria em cenas pontuais e extremamente tristes, como não poderia deixar de ser.

Jojo Rabbitt” não inventa a roda, é bem verdade, mas nos oferece discussões urgentes para os dias de hoje sem deixar de lado a ternura e a grandeza dos bons sentimentos. Se pudéssemos pensar sobre temas tão graves com tanta leveza talvez vivêssemos agora em um mundo muito mais bonito! Impossível sair da sala escura depois de assistí-lo sem fazer reflexões importantes, mas por algum tempo um sorriso teimoso vai brotar no seu rosto mesmo assim, e essa constatação é preciosa demais para ser ignorada!

Nota: 9,5

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