“Kursk: A Última Missão” impacta e emociona, mas se atrapalha na falta de coerência

Andressa Faria de Almeida
Revista Subjetiva
Published in
4 min readJan 9, 2020

Nunca foi fácil para qualquer cineasta dirigir e roteirizar uma obra baseada em fatos reais, e se esses fatos são questionáveis pela ausência de clareza por parte das autoridades responsáveis fica ainda mais complicado desenvolver um bom trabalho. Ainda assim, “Kursk: A Última Missão” se sai bem nessa tarefa, mas poderia apresentar um resultado ainda melhor se encontrasse mais congruência em meio a um mar de inconsistências.

Explico: esse filme é a adaptação para as grandes telas do livro “A Time to Die”, de Robert Moore, que por sua vez conta a história do desastre com o submarino nuclear Kursk, o mais moderno da frota russa pós-dissolução da União Soviética. Em Agosto de 2000 a embarcação mergulhou para não mais voltar em um simples exercício de rotina, que foi interrompido pela explosão de vários torpedos que nela se encontravam.

Dos 118 marinheiros presente 95 morreram nos primeiros minutos após o acidente, e os 23 que restaram só seguiram vivos porque conseguiram se isolar em uma das câmaras do Kursk. O tempo, no entanto, era certamente o maior inimigo desses homens, que viam os mantimentos e o oxigênio acabando aos poucos, e o frio extremo aumentando cada vez mais.

Enquanto isso famílias desesperadas buscavam obter respostas do governo russo, que não as dava nem para seus cidadãos e tão pouco para outros Estados, esses interessados em ajudar em um eventual resgate. É nessa série de impasses que a trama em questão se concentra, buscando dividir a sua narração em 3 linhas distintas.

A primeira vem dos sobreviventes, capitaneados por um personagem fictício gentil, austero e heróico, bastante típico nos filmes de ação. A segunda é apresentada pelos parentes dos marinheiros cobrando uma posição dos governos, protagonizada principalmente por uma esposa fragilizada, mas decidida, também nada incomum nesse tipo de longa. Por fim, temos a terceira linha, que foca nos embates políticos entre o exército russo e países dispostos a colaborar, analisando principalmente a repercussão de cada decisão questionável dentro de todos esses cenários.

É interessante ressaltar que o diretor Thomas Vinterberg e o roteirista Robert Rodat não conseguiram encontrar dessa vez a coesão necessária às suas intenções. Se temos o criador de roteiros de épicos como o de “O Resgaste do Soldado Ryan” e “O Patriota” em um quesito no outro contamos com o responsável por obras mais intimitas, focadas no desenvolvimento de personagens bastante peculiares, como vemos em “A Caça”.

Não se trata de fazer juízo de valor sobre os trabalhos anteriores desses realizadores, mas de observar o óbvio: se estivessem dispostos de fato a cooperar por uma história com um só ideal é claro que teríamos um filme bem mais enxuto chegando aos cinemas, mas nessa obra momentos de ação indiscriminada se mesclam com tentativas de reflexão profunda o tempo inteiro e nenhuma das vertentes apresentadas parece ser realmente a priorizada. O longa em questão não se mostra disposto a ser um blockbuster, mas também não se lança em uma pecha mais artística com segurança e essa confusão pode atrapalhar a experiência de muitos.

Não que isso torne esse projeto ruim, muito pelo contrário, mas a sensação de contraste insiste e permance. Se conseguimos superar esse sentimento, no entanto, somos brindados com instantes como um plano sequência genial e desesperador, focado na recuperação de cartuchos de oxigênio por dois marinheiros. Também merecem nota o constante (e tocante) silêncio do menino à espera do pai e as celebrações de união e despedidas mostradas na tela, todas bastante verossimilhantes e incrivelmente potentes em seus propósitos.

Kursk: A Última Missão” é apesar dos seus problemas pontuais uma realização importante, especialmente em um momento em que trabalhos como a minissérie “Chernobyl” vêm conquistando mais a atenção do público. Falar sobre como os poderosos ignoram as necessidades humanas em prol de interesses de Estado deveria ser sempre pauta, e é uma pena que o foco da maior parte das produções seja em apenas um dos lados da Guerra Fria. Que outras obras sigam questionando essa lógica assassina, tão arraigada em todos os cantos do globo!

Nota: 7,5

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