LGBTs, Imigração e Homonacionalismo

Como a luta LGBT+ não pode ser integrada pelo discurso neoliberal

M.K.
Revista Subjetiva
Published in
5 min readMar 3, 2017

--

Quando procuramos pensar em conjuntura atual e os consequentes rumos eleitorais da Europa e Estados Unidos, uma palavra sempre aparece de imediato: imigração. É inegável a utilização da crise imigratória por parte de políticos que buscam se assentar sob falas xenófobas reforçadas pelo engrandecimento da identidade nacional. O chamado “populismo de direita” sabe muito bem canalizar demandas sociais não correspondidas para soluções esvaziadas que em nada nos orientam para resolução de problemas. O discurso anti-establishment de direita atrelado a muros vem fazendo grande sucesso nos EUA, Reino Unido, Áustria, Holanda, Hungria, Suíça, Noruega e França.

Um aspecto que, embora já amplamente discutido, ainda não me parece suficientemente levado em conta é a dúbia relação entre a crise imigratória e a população LGBT+. Costumamos relacionar minorias enquanto grupos quase que essencialmente propensos a discursos progressistas de inclusão e críticos a todo e qualquer tipo de marginalização social. Entretanto, neste artigo, eu gostaria de chamar atenção para o papel central que a população LGBT+ vem exercendo nas eleições francesas fortalecendo o partido de extrema direita Front National: nas últimas regionais, 32,45% dos casais homossexuais votaram na FN. Embora no Brasil ainda não nos defrontemos com tal realidade de forma tão explícita, o caso francês é um estudo de caso de uma situação que é macro e cujas consequências orientarão a política global na próxima década.

Historicamente, o partido Front National sintetizava todo o ódio ao que as pautas de inclusão e diversidade representavam; conservador, sua criação buscava unificar as diversas correntes nacionalistas francesas da época. Sob a liderança de Jean — Marie Le Pen, o partido tinha pouca penetração dado seu radicalismo tendo seu eleitorado concentrado em regiões rurais de baixa escolaridade. Quando Jean — Marie renuncia da liderança em 2011, o partido passa por um forte processo de modernização orientado pela filha de Jean, Marine Le Pen, a mais nova líder da FN. A reforma de Marine passou por ampliar seu eleitorado para além das regiões rurais, abrangendo uma população urbana e mais escolarizada. Nesse sentido, a população LGBT+ — representando 6,5% do total de franceses com idade para votar — aparece enquanto um nicho importante a ser conquistado e em primeiro de maio de 2011, Marine incluiu homossexuais em seu discurso pela primeira vez: «Qu’on soit homme ou femme, hétérosexuel ou homosexuel, chrétien, juif, musulman, on’est d’abord français!» (Que sejamos homem ou mulher, heterossexual ou homossexual, cristão, judeu, muçulmano, somos antes franceses!).

Marine Le Pen e Florian Philippot

A estratégia de Le Pen vem de uma percepção de que, em tempos de forte nacionalismo, um número cada vez maior de homossexuais se aproximavam do partido de extrema direita por medo da imigração islâmica e sua suposta homofobia consequente. Atenta para a incorporação do voto LGBT+ em seu partido, Marine Le Pen traz para a Front National figuras como Florian Philippot (abertamente gay) e Vénussia Myrtil (abertamente lésbica), esta última de origem mais humilde contradizendo a ideia de que a FN concentraria o voto LGBT+ necessariamente burguês. A FN já teve figuras abertamente homossexuais no passado — como Jean-Claude Poulet-Dachary e Sébastien Chenu — mas somente sob Marine Le Pen que estes se tornaram um grupo a ser conquistado pelo partido. A tarefa não está sendo fácil, Marine conta com uma forte oposição em se tratando deste assunto dentro do próprio partido personificada pela figura de sua sobrinha Marion Marechal Le-Pen, esta buscando uma renovação conservadora e independente tensionando o consenso dentro da FN. Além disso, é importante destacar para que não haja engano: a suposta “benevolência” do partido para com a população LGBT+ não passa de número eleitoral, a reivindicação de direitos, a auto organização e um programa específico para LGBTs está fora de questão.

Parada LGBT+ em Tel Aviv

A acadêmica e teórica queer Jasbir Puar , em seu livro Terrorist Assemblages: Homonationalism in Queer Times, propôs o termo homonacionalismo para descrever como organizações políticas apelam a um caráter “simpatizante LGBT” para justificar posições xenófobas e anti — imigração. A ideia básica é sustentar o ocidente como um espaço igualitário e democrático enquanto nações e imigrantes principalmente islâmicos seriam forçosamente LGBTfóbicos. Tal premissa serve de forma ideal para a reprodução de políticas imperialistas e encontra um de seus maiores exemplos no caso Israel — Palestina. Enquanto Tel Aviv desponta como um oásis para a comunidade LGBT+, os assentamentos ilegais se mantêm e são justamente justificados pelo alegado caráter democrático de Israel. Outro grande exemplo é o atentado executado na Boate Pulse em Orlando em julho de 2016 pelo americano filho de afegãos Omar Mateen. Como todo massacre contemporâneo, o atentado foi imediatamente atrelado a uma ação do Estado Islâmico e foi mais um ocorrido utilizado pelos discursos xenófobos da extrema direita.

Mas então, como nós, comunidade LGBT+, podemos atuar para que fujamos do falso debate ocidente democrático x islã intolerante e não caiamos na rede imperialista? Acima de tudo, acredito que nossas análises devam buscar o macro para que possamos sair do discurso fácil e compreender que as raízes contra o que lutamos não está no islã, mas no neoliberalismo. É debatermos as causas da crise imigratória, as nefastas políticas ocidentais para com o Oriente, o desmantelamento do Estado de Bem — Estar Social e suas consequências para os (des) ânimos mundiais. É entendermos que ou a luta LGBT+ será contra toda e qualquer injustiça, seja racial, étnica, econômica, sexual, de gênero, ou não será.

Gostou do texto? Clique no ❤ para ajudar na divulgação

Deixe seu comentário, ele é importante para nós. Caso deseje algo mais privado, nos mande um e-mail para rsubjetiva@gmail.com

Não deixe de curtir nossa página no Facebook: https://www.facebook.com/revistasubjetiva

Nos siga no Instagram, iremos lançar vídeos e textos em outros formatos: https://www.instagram.com/revistasubjetiva

Quer escrever conosco? Siga o passo-a-passo de nosso Edital abaixo:

--

--