Mania e depressão

Dayanne Dockhorn
Revista Subjetiva
Published in
2 min readApr 25, 2020

No momento
não sabia
o que estava presenciando
— na época, sabia
muito pouco

lembro que sua voz trabalhava depressa
mas eu era a única
que ficava sem ar
assistindo à vida
demais
escapar de uma boca

meus olhos iam e vinham
acompanhando os movimentos bruscos
do corpo
dormindo preocupada
acordando sobressaltada
depois de várias noites em claro
era como se o mundo
ganhasse mais cores

aprendi
mais tarde
os episódios de mania têm essa
característica
— são enchentes
que transbordam
e não podem
ser contidas

na mesma proporção em que as temia
me apaixonava
quando você não conhece
a destruição que fica para trás
toda força da natureza
tem beleza própria

esperava dias
ou semanas
até as águas darem lugar à terra
mas a escuridão que resta
quando a energia se esvai
é igualmente poderosa

já não havia palavras
sonhos antes alcançáveis
viravam menos
que nada
os toques eram esvaziados de sabor
e se antes o sono não vinha
agora ele predominava

aprendi
mais tarde
os episódios de depressão têm essa
característica
— são desertos
que sugam a vida
enquanto o corpo
ainda respira

no meio dos piores dias
não sabia
o que estava presenciando
— na época, sabia
muito pouco

agora que conheço tão intimamente
os sinais
as etapas
os gatilhos
os desmaios
os corredores do pronto-socorro
os estabilizadores
os ansiolíticos
os antidepressivos
por nome, genéricos, miligramas
as bulas
os efeitos
as consequências
os livros
os artigos científicos
as terapias
as resistências
as mentiras
agora que nos conheço
tão intimamente
há recusa em aceitar que perdi o amor da minha vida
para cinco pílulas diárias
tragadas no café da manhã,
uma antes de dormir

mesmo não sabendo nada
qualquer um pode dizer que isso
é morte demais
muito para lidar
sozinha.

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