Mano, acorda, você não é boy
Uma das grandes mentiras que aceitamos é a existência da classe média. Nela, acreditamos estar muito mais próximo daquele artista da televisão do que daquela pessoa que está no mesmo metrô que a gente.
Aquela viagem que você fez só rolou porque você passou muito tempo juntando o dinheiro suado do trabalho. Batendo ponto para entrar e para sair. Com a sua viagem que foi programada de acordo com as férias que tiraria da empresa.
Nosso país é muito desigual e ainda não temos noção disso.
Em nossa bolha acreditamos que, pelas roupas que podemos comprar e pelas viagens que podemos realizar, independente do esforço ou do quanto a gente parcele cada aquisição, estamos mais próximos da classe alta e mais distantes das classes “c”.
Como bem definiu o Chris da série Todo Mundo Odeia o Chris, somos pobres soberbos. Mas nessa parte, quero redefinir o termo pobre pela nossa pobreza de espírito em sermos soberbos.
Lembra do Criolo puto da vida conversando com o Lázaro? Quem decidiu essa escalada social através do quanto se consome? Porque classe a, b e c senão para dividir aqueles que estão no mesmo barco por todo esse tempo?
Tem um som do Criolo chamado Cartão de Visita, onde ele retoma essa ideia. Escutamos sobre alguém cantando vantagens por ter conhecimento e estar presente em lugares “chiques”, para, mais tarde, descobrirmos que essa pessoa trabalha em um buffet, bem distante da realidade onde ela acredita viver.
“Acha que tá mamão, tá bom, tá uma festa
Menino no farol cê humilha e detesta
Acha que tá bom, né não, nem te afeta
Parcela no cartão essa gente indigesta”
Daí o nosso vício em achar que quem viajou para fora e quem nunca saiu do bairro são diferentes, mesmo compartilhando o mesmo busão para ir ao trabalho.
Com isso, temos aquela visão distorcida em que boa parte da população acredita pertencer a um lugar que nunca sequer vai pisar, isso porque consome (quase) as mesmas coisas que (são vendidas) por eles, que sim, é muito bem de vida obrigado.
A falsa sensação de pertencimento, saca?
Como consequência, apoiam decisões para a diminuição de direitos trabalhistas, reclamam de quem faz greve em busca de direitos, acreditam na meritocracia vendida aos montes, se definem pela faculdade que fez frente a um fiscal, nem notando que ambos produzem para alguém, e mal percebem que toda essa postura o afeta diretamente.
Isso porque, com essa ideia de ascensão social pelo consumo, se negam a acreditar que está mais próximo do que julga ser a “classe c”, mesmo enfrentando diariamente o transporte público lotado em horário de pico e batendo ponto no trabalho.
Mas como assim? Sou engenheiro!
Sabe quem é rico? O dono da rede da linha privada do metrô que você pega todo o santo dia para ir ao trabalho.
Mano, acorda, você não é boy.