Margaridas

Parte 2 do conto “Margaridas”

Dandara Aryadne
Revista Subjetiva
5 min readMay 15, 2017

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Eu estou sentada em um pequeno café.

A rua está agitada. Eu sempre esqueço os festivais da cidade quando eu fujo para cá. Pessoas correndo de um lado para o outro com fitas na mão, cabelos enfeitados com flores e mulheres vestindo saias coloridas de todas as formas e tipos. Que santo nós vamos celebrar este mês?

Eu posso estar reclamando agora, mas você sabe o quanto eu gosto da vibração deste lugar quando as luzes da cidade começam a brilhar através das músicas.

Eu pedi dois cafés e uma água com limão. Desculpe, velhos hábitos são difíceis de contornar. Talvez eu devesse pedir um café gigante amanhã, daqueles servidos em copos enormes, com nomes difíceis, apenas para confundir a nossa mente de que só queríamos um café fresco para clarear o paladar.

Mas você não precisa se preocupar. O sol já está se pondo, o café vai fechar e vou começar a caminhar pela cidade à noite, vislumbrando as cores deste belo festival, preparado apenas como desculpa para que todos possam sair, cantar e beber na cidade… como se Eles não fizeram isso já o ano todo …

Calma. Eu sei. Minha atitude está piorando. Devo sorrir mais? Talvez… Talvez eu deva sorrir mais ao Sol, que já está a caminho de casa.

Como o pôr-do-sol pode ser ainda mais bonito daqui? Talvez seja porque estou perto de sua rua e essas avenidas tipo labirinto estão claras em minha mente como qualquer outra rua na vida.

Ainda estou curtindo aquele intervalo de cinco minutos, que com a trilha sonora certa pode durar para sempre.

Aqueles exatos cinco minutos entre o dia e a noite. Quando a laranja se encontra com o azul pulsante, criando a mais bela sombra de roxo que deixaria qualquer artista, perplexo em aproveitar a beleza de uma cor simples. O céu explode como uma guerra nuclear de sombras e posso sentir o frio da noite na forma quente do calor do dia…

Se eu fechar meus olhos e me concentrar… eu ainda posso sentir seu calor em minha pele.

O café acabou. Já está começando a ficar tarde e eu deveria voltar para o quarto do hotel, eu deveria andar devagar, naquele tom shakespeariano desgastante de um amor perdido e clássico para o palco, você não acha?

Devo seguir o roteiro ou posso pular a introdução e ir direto para o meu destino: a partir da vista vazia do quarto de hotel?

Estou preocupada em decidir meu destino sem um gole de café. Eu não quero pedir outro, e seu café, do outro lado da mesa, está frio. Frio. Exatamente como o tempo deste mágico, irritante crepúsculo que esta cidade carrega.

Como você conseguiu viver aqui por tanto tempo? Como você poderia andar nessas ruas sem ser absorvida por essa felicidade irritante e exagerada? Todo mundo está feliz em sofrer por amor. Na verdade, eu acredito que eles se alimentam desse sofrimento. Essa dor desesperadamente romântica, como se fosse um ritual de acasalamento estranho para encontrar um novo amor, um novo começo.

Neste lugar, os amores perdidos são postos à prova, o luto é real, como se o coração realmente parasse de bater e os pulmões não pudessem mais puxar o ar. Mas a magia é que, em cinco minutos, não demora muito para renascer das cinzas, exatamente como uma fênix figurativa, esse mesmo coração, agora novo e pulsante, está batendo em outra janela.

Não posso deixar de sorrir para a ironia de tudo isso. Naquele momento, você gentilmente me deu um tapa no braço, riu e disse como seria possível para você se apaixonar por alguém tão romanticamente cético quanto eu.

Uma xícara caiu no chão. O som era como uma máquina do tempo.

Enquanto a garçonete estava pegando as peças com as mãos delicadas, eu viajo entre os cacos brancos deitados no chão, voltando a outra cena, outro copo, com você pegando as peças em lágrimas.

Eu sei. Eu deveria ter ficado. Eu não deveria ter jogado os pratos, as roupas e o meu coração em uma mala, trancado e a batido atrás de mim. Eu deveria ter ficado e olhado para você. Com todos os meus medos, com todas as minhas falsas esperanças. Eu deveria ter ficado, abrir os braços e deixado você plantar a adaga.

Jane.

Tudo que eu mais temia no mundo era você. Seus irritantes olhos verdes de primavera toscana que cobriam todo o meu corpo de uma só vez. Seu corpo percorreu as palavras do meu pensamento como se estivesse subjugando tudo ao passar. Eu não poderia alcançá-lo, eu não poderia prever qualquer maneira que suas mãos me prenderiam, eu não poderia sentir o controle de meu corpo sobre seu.

Você me tirou do chão, me jogou no ar, deixou-me planar e cair. Da maneira mais sangrenta e bonita possível.

Suas pernas ao redor do meu corpo, seu sorriso cobrindo meu rosto, sua pele quebrando meus ossos… essa mistura louca de tudo o que é, me abraçou no ar.

O relógio da torre já está tocando, o que me faz lembrar do tempo.

Eu sinalizo a garçonete, levanto-me com certa relutância, deixo algumas notas soltas na mesa e começo a andar em direção ao labirinto escuro que me levará de volta à sua rua …

A luz do dia está por um fio, as luzes dos postes começam a brilhar com força, cobertas de fitas que adornam a cidade. A praça está cheia, a Torre está cheia de todas as cores de alguma bandeira de algum lugar e as pessoas jogam flores na fonte, bem no meio da praça.

Já é primavera?

As flores estão sendo pisoteadas em meio aos paços de dança. Eu nem me importo de passar por uma ou duas margaridas … mas enquanto ando pelas ruas, indo em direção à minha vaga noção de sua janela, fecho os olhos.

Eu continuo andando, sem parar, com os olhos fechados. Foco em seguir meus passos, guiados pelas margaridas jogadas no chão. E quando paro, para minha surpresa, fico na frente da sua velha porta, olhando para a sua velha janela, sorrindo, chorando, sentindo, implorando … que você ainda estivesse aqui.

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Dandara Aryadne
Revista Subjetiva

Crítica de cinema, escritora sem destino, trabalhando com tecnologia e artista frustrada