Mariana e a Saúde de uma População à Sombra da Lama
Um pouco sobre as consequências na saúde e na vida social dos moradores que sofrem até hoje com o maior desastre ambiental da história do Brasil.
Um desastre ambiental de qualquer magnitude pode ocasionar em impactos na estrutura, social, psicológica e de saúde como um todo, e não seria diferente em se tratando da maior tragédia ambiental da história brasileira. Os impactos negativos dos danos causados ao meio ambiente são de difícil compreensão e previsão no que tange a saúde e relações humanas, no caso do rompimento da barragem de fundão ainda é preciso muito estudo para se conhecer e entender tais impactos e como eles se dão em relação à população, isso se justifica por ser um desastre de proporções ainda desconhecidas do ponto de vista científico, é preciso mensurar e avaliar cuidadosamente, pois, o Brasil e mesmo o mundo não tem experiências em tragédias com barragens desse tamanho, não existem parâmetros que ajudem a entender as implicações do ocorrido, estas questões são explicadas em um dossiê sobres os impactos do desastre publicado em revista pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
Para uma breve perspectiva sobre as dimensões do desastre de Mariana em nosso país, observe a tabela abaixo:
- Casos de rupturas de barragens minerárias no Brasil
Mesmo sendo pouco tempo, dois anos após o acidente nas barragens, com acompanhamento das comunidades afetadas já é possível observar as consequências na saúde da população, em novembro de 2016 o Núcleo de Estudo, Pesquisas e Extensão em Mobilização Social (Organon) da UFES percorreu as margens do Rio Doce dialogando com a população atingida, eles ouviram reclamações sobre doenças na pele e contaminação da água e peixes. A Universidade ainda divulgou estudos que revelam que os níveis de metais nas águas aumentaram muito desde o acidente, são 20 vezes mais ferro, 10 vezes mais alumínio e 5 vezes mais cromo. Segundo uma reportagem do G1publicada em outubro de 2017 o acúmulo desses minerais no organismo pode causar diversos danos aos rins e fígados, transtornos de comportamento, problemas de memória, dores musculares, abdominais, nas articulações e de cabeça.
A referida reportagem visitou a cidade de Barra Longa onde a lama seca poluiu o ar, causando problemas respiratórios e coceiras na pele, o que é atestado de acordo com o documento de denúncia da Samarco elaborado pelo Ministério Público Federal, os municípios que mais sofrem com as doenças supracitadas são Mariana e Barra Longa. Veja o texto publicado:
“Os danos à saúde humana decorrentes da poluição são sentidos até hoje, principalmente nos Municípios de Mariana e Barra Longa. Neste último identificou-se que houve o aumento de 1000% na procura por atendimento médico, havendo constantes reclamações da poeira local decorrente da secagem do rejeito depositado na região e até hoje não retirado.” (MPF, 2016, pág. 18).
Ainda que medicadas, as pessoas por ainda residirem nas regiões afetadas continuam expostas aos rejeitos, o que dificulta a recuperação e o sucesso dos tratamentos.
Para esclarecer as dúvidas e orientar a população o Ministério da Saúde — MS divulgou por meio do Portal da Saúde, no mesmo mês do acidente, uma espécie de cartilha alertando sobre os devidos cuidados a serem tomados. Segundo a cartilha é preciso evitar o contato com a lama gerada pelo rompimento da barragem e também evitar alimentos e o consumo da água atingida, mesmo que para recreação. Os serviços de saúde foram de modo igual aconselhados e devem inclusive se atentar a geração de dados para um melhor acompanhamento da situação. (Ministério da Saúde — Portal da Saúde, 2015)
Informações divulgadas por meio de um grupo de expedições do Greenpeace através do “Relatório de Expedições ao Rio Doce” (GREENPEACE, 2017), descreve que as comunidades lesionadas pela tragédia sofrem consternadas em meio a tristeza, medo e incertezas diante do ocorrido. A população Rural lamenta a morte dos animais e até mesmo de pessoas que viram de perto. Em uma matéria eletrônica do TERRA de dois anos após o acidente, são trazidos relatos de uma população Urbana que sofre psicologicamente com as doenças, o desemprego, o caos das reformas realizadas pela Fundação Renova, e os problemas com referida Fundação, queixas sobre a lama nos quintais de casas e rachaduras mal consertadas nas moradias são relatadas.
- Doença de pele relatada por entrevistado pelo Greenpeace
Outra situação que merece destaque e são colocadas em evidências pela reportagem e o relatório citado acima, e também pelo portal G1 e o MP, é a dos distritos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira. Os referidos distritos foram completa ou parcialmente destruídos e seus habitantes realocados na zona urbana de Mariana, estes vivem com a desesperança, pois, sabem que jamais voltaram a viver nas regiões onde muitos nasceram e cresceram. Mesmo sabendo que novos locais serão inteiramente construídos para que possam morar, muitos revisitam os pontos destruídos assim como suas histórias de vida.
- Diagrama de palavras que definem o desastre, de acordo com os entrevistados.
Neste aspecto, é possível citar Renata Allucci que é membro do Núcleo de Estudo Cultural: História, Memória e Perspectiva de Presente PUC/SP, ela explica que o território é estabelecido de maneira muito mais abrangente do que apenas um espaço geográfico, pois, ele é concebido através das relações sociais. Levando em consideração o exposto, podemos entender que as relações sociais que constituíam os espaços onde os moradores viviam, foram dizimadas assim como seus distritos, e desta forma construir distritos novos não é o suficiente, ainda é preciso reestabelecer as relações sociais das pessoas para que de fato as novas localidades sejam lar para seus habitantes e as consequências psicológicas e sociais sejam definitivamente superadas.
Referências:
“Temos que escolher quem vai se tratar: famílias atingidas pela lama de Mariana sofrem com problemas de saúde”; TERRA. Outubro, 2017. Disponível em <https://www.terra.com.br/noticias/brasil/temos-que-escolher-quem-vai-se-tratar-familias-atingidas-pela-lama-de-mariana-sofrem-com-problemas-de-saude,d9b5f27fe2c9c86b89e57fc5feca0b52fs30jhbi.html>. Acesso em 15 de novembro de 2017.
SANTOS, Vanessa Sardinha dos. “A relação entre impactos ambientais e o surgimento de doenças”; Brasil Escola. Disponível em <http://brasilescola.uol.com.br/biologia/a-relacao-entre-impactos-ambientais-surgimento-doencas.htm>. Acesso em 03 de novembro de 2017.
“Comissão Externa do Rompimento de Barragem na Região de Mariana: Relatório Final”, Câmara dos Deputados MG. Julho, 2016 Disponível em <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1472309>. Acesso em 10 de outubro de 2017.
UNIVERSIDADE FERDERAL DE MINAS GERAS — UFMG, UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA — UFJF, Relatório de campo e interpretações preliminares sobre as consequências do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão Expedição ao Rio Doce, Minas Gerais. Disponível em <https://www.ufjf.br/noticias/files/2016/02/ufmg_ufjf_relatorioexpedicaoriodoce_v2.pdf>. Acesso em 17 de novembro de 2017.
“Estudo: Os Impactos Do Desastre em Mariana na Saúde da População”, Portal de Meio Ambiente da UFRN. Disponível em <http://www.meioambiente.ufrn.br/?p=40088>. Acesso em 29 de outubro de 2017.
“Pesquisadores da Ufes entregam relatório sobre impactos da tragédia do Rio Doce”, Portal da UFES. Disponível em <http://www.ufes.br/conteudo/pesquisadores-da-ufes-entregam-relat%C3%B3rio-sobre-impactos-da-trag%C3%A9dia-do-rio-doce>. Acesso em 03 de novembro de 2017.
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