Meu primeiro ano em Portugal

O que aprendi sobre o lugar que agora chamo de lar

Yasmin Narcizo
Revista Subjetiva
7 min readAug 21, 2020

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Desde que decidi imigrar, uma das perguntas que eu mais ouço é "por que Portugal?". Bom, sente-se confortavelmente, pegue uma boa taça de vinho (português, é claro) e vem ouvir essa história que começa em 2017.

Portugal a turismo e todos os meus preconceitos

Na primeira vez que pisei aqui, em 2017, vim visitar amigos que já tinham imigrado. Vou ser bem honesta: Portugal nunca esteve na minha lista de prioridades de países para conhecer e ele só "furou a fila" porque tínhamos eu e meu marido pessoas queridas por aqui.

Eu cheguei aqui munida de todos os preconceitos possíveis. Estava preparada para encontrar um país atrasado, careta, sem muitas atrações para os jovens. E, pior, estava pronta para ser maltratada pelos portugueses, preparada para responder à altura.

Olhando para trás e com a experiência que tenho hoje, só consigo pensar quão cafona foi essa minha forma de pensar e quão errada eu estava.

Encontrei em Lisboa, onde vivo agora, uma cidade multicultural, divertida, pulsante, com infinitas opções de entretenimento para todos os gostos. Tudo totalmente diferente do que eu havia imaginado, na minha infinita ignorância.

A viagem me saiu melhor do que encomenda: me surpreendi tanto com Portugal que pisei de volta no Brasil pensando o que eu poderia fazer (já que não tinha nenhuma nacionalidade gringa) para viver aqui.

Depois de quase exatamente 2 anos de muita pesquisa, economia e um cadinho de frustração, consegui fazer o que jamais teria imaginado: me mudar legalmente pro lugar que eu sequer queria conhecer. De lá para cá, não paro de aprender com os portugueses e de ver a minha vida mudar — sempre para melhor.

A seguir, conto alguns dos maiores aprendizados que tive nessa terra que hoje, sem sombra de dúvida, é o meu lar.

Mosteiro dos Jerónimos, em Belém: o lugar que deu origem ao famoso pastel de nata.

O prazer de aproveitar a vida

Quem já leu outros textos meus por aqui sabe que eu não apreciava o ritmo de trabalho que o mercado publicitário do Brasil tem como padrão. O expediente de trabalho nunca tem hora para acabar e entra com frequência madrugada adentro, obrigando os criativos a serem produtivos por 14h, 16h ou até 20h seguidas.

E, não por acaso, uma das coisas que eu mais amo nos portugueses é o valor que tem o tempo livre. Workaholics não são comuns por aqui: quando acaba o expediente, é tchauzinho e até amanhã! Assim, todos se divertem, pegam os filhos na escola e seguem com a vida, gostosa como deve ser.

Nos dias quentes, vemos que eles saem do trabalho e vão pegar um sol no parque ou na praia, se houver alguma por perto. Nos fins de semana, aproveitam as atrações culturais da cidade, frequentam festivais de música, museus, cinema, restaurantes e, claro, se juntam para tomar um copo — algo que eles adoram!

Basicamente, eles aproveitam tudo que a cidade tem para oferecer e ocupam o espaço urbano. A cidade é, de fato, para os cidadãos.

A relação com a comida e o prazer da partilha

Uma coisa linda da cultura deles é a relação com as refeições. É à mesa que se contam as histórias, que se encontram os amigos, que se bebe o vinho. Tudo acontece nesse ritual poderoso de dividir a comida e a bebida. E sempre há espaço para mais um que queira se juntar.

Existe uma antiga (e famosa) música portuguesa, de tempos mais difíceis em que o país não era tão famoso e nem tão estável, que resume bem a mentalidade do povo português. "Uma casa portuguesa" diz assim:

“A alegria da pobreza está nesta grande riqueza

de dar e ficar contente”

Posso confirmar: mesmo agora, em tempos mais abastados, os portugueses seguem abertos a partilhar. Minha vizinha de baixo, por exemplo, assou umas sardinhas pouco tempo depois que nos mudamos e, sem avisar, trouxe algumas para que nós experimentássemos. Meses depois, ela fez biscoitos típicos da sua cidade para receber os familiares no Natal e separou uma fornada para nós.

Através da comida farta (e deliciosa) os portugueses comunicam o carinho e as boas-vindas.

A receptividade dos portugueses e a relação com a nossa cultura

Pode ser que em algum momento em um passado recente as relações entre portugueses e brasileiros possa não ter sido a melhor possível. Afinal, a relação do colonizado com o colonizador pode gerar cicatrizes dolorosas, por mais que os anos passem.

Diga-se de passagem, Portugal passou também por maus bocados com a crise de 2009 e, verdade seja dita, canto nenhum do mundo é muito aberto a imigrantes quando a economia vai mal.

Por isso, me mudei para cá preparada para o pior. Pessoas que viviam aqui há mais tempo falavam sobre como os tugas eram grosseiros e preconceituosos. E isso foi 100% o contrário do que encontrei por aqui.

Não estou negando que alguns brasileiros sofram preconceitos por aqui, não é isso. Isso deve, inclusive, acontecer ainda entre os nativos mais ignorantes ou ainda fechados à chegada do novo. Mas acredito, sim, que as relações hoje são muito diferentes do que já foram.

E, verdade seja dita, não somos santos. Muitos brasileiros vêm para cá e só fazem falar mal do país, dos seus nativos e afirmar em voz alta que estão em Portugal apenas para pegar a nacionalidade e depois partir "para a Europa de verdade".

Na minha opinião, isso traduz uma pobreza de espírito enorme, uma ingratidão sem precedentes e uma incapacidade gigantesca de ver tudo que esse pequenino país oferece em termos de qualidade de vida. Enquanto os portugueses olham para a Noruega ou para a Alemanha e, na comparação, consideram que o seu país em falta, para nós, ele é tanto, mas tanto!

Temos cultura a preço de banana (muitas vezes grátis), saúde pública acessível e de qualidade, transportes que funcionam, escolas públicas gratuitas e de excelência, fora a segurança de sair na rua e saber que se vai voltar para casa. É sério que dá pra achar isso tão pouco?

Além disso, da mesma forma que não se reclama da comida servida por um amigo na sua própria casa, quando vamos viver em outro lugar, precisamos aprender a RESPEITAR a cultura do outro. Isso é o básico para qualquer convivência harmoniosa.

Por isso, sobre os reclamões, posso dizer: sem dúvidas, quem perde é quem parte.

Mas, voltando aos portugueses, o que eu sinto é que eles não só já estão muito acostumados conosco, como têm um apreço e um carinho pela nossa cultura. Eles adotam as nossas gírias, gostam do nosso sotaque, veem as nossas novelas e a nossa música toca por toda a parte. Tudo isso torna o convívio mais fácil para quem é turista ou pretende residir por aqui.

Vão existir pessoas legais e pessoas infelizes em toda parte do mundo, até em Portugal, mas afirmar que eles sejam maioria seria um erro tremendo. Em 2019 e até agora, encontrei um povo de braços abertos para nós.

A variedade das atrações e dos estilos de vida

Não canso de me surpreender como um país tão pequeno pode ter uma pluralidade tão impressionante.

Em termos de paisagens, temos aqui praias variadas, daquelas mais desertas e paradisíacas às cheias de infraestrutura para os banhistas. Ambos os estilos têm atraído turistas do mundo todo. Há também as cadeias de montanhas, onde os amantes dos esportes radicais, do camping e das trilhas adoram se perder.

Para o interior do país, o clima seco traz solos perfeitos para o cultivo do vinho, que se transformou em tradição entre os residentes e uma opção de visita para o turismo. No centro, vilas centenárias contam a história do país nas suas casinhas e ruínas. No nordeste do território, um parque nacional gigantesco oferece banhos de rio e cachoeiras cristalinas.

E, por fim, nas grandes cidades, temos shows, museus variados, feirinhas, exposições de arte, feiras do livro, festas populares e muitos outros eventos que lotam o calendário local e oferecem infinitas oportunidades de lazer.

Nesse pequeno pedacinho de terra que já dominou o mundo, há de tudo.

Então, por que Portugal?

Depois disso tudo, agora, já na posição de imigrante, entendo o motivo das perguntas: nós não sabemos nem 10% do que tem a oferecer Portugal. E digo mais! Não conhecemos quase nada sobre o país, se compararmos com o tanto que os portugueses sabem sobre nós e a nossa cultura.

Em um ano vivendo aqui, afirmo sem dó que sou uma eterna apaixonada por Portugal, grata por todos os aprendizados e a tranquilidade que ele é capaz de me oferecer. Esse país, apesar de tão pequeno, contém em si um mundo todinho. Um mundo rico, centenário, convidativo para o brasileiro conquistar.

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Farofa na Sardinha

É um podcast que fala sobre descobrir Portugal como imigrante. Por lá, falamos sobre vistos, damos dicas úteis para os recém-chegados às terras tugas e tratamos de qualquer assunto que possa facilitar a sua vinda.

Ele é uma criação minha (Lisboa), da Gabriela Ornellas (residente no Porto) e do Eduardo Chavans, um advogado brasileiro também morador do Porto e especializado em imigração.

No mais, estou sempre aberta a discutir desde os tópicos mais sensíveis e aos mais gostosos sobre a imigração. Cheguem mais! ❤

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Yasmin Narcizo
Revista Subjetiva

Jornalista por formação, publicitária na raça e autora do “Não tô sabendo lidar”, à venda na Amazon. Observa o mundo com olhos de quem não entende nada mesmo.