Não diga à sua filha que sentir é errado

Izadora Laner
Revista Subjetiva
Published in
2 min readAug 2, 2022

Sentada no banco de madeira prostrado na porta de casa, me peguei a pensar no passado — os finais de domingo me chegam reflexivos, desde criança. Também na tenra idade, a reflexão que mais dominava o espaço de meus pensamentos era: “será que eu estou sentindo errado?” Quando persistente, essa é a frase mais perigosa para sobrexistir no imaginário de Qualquer Mulher.

Eu nasci com essa coisa de ser muito suscetível ao sentir — nada passa despercebido e qualquer detalhe cotidiano me gera comoção. Hoje, depois de 30 e algo, considero essa a maior qualidade carregada pela minha identidade. Como toda história de amadurecimento, nem sempre foi assim e o caminho, pra lá de espinhoso, ainda segue vividamente marcado em meu agir.

Sentir me foi negado desde que nasceu a consciência emocional. Minha mãe não permitia que eu demonstrasse a mais imperceptível brecha de sentimento, para não ofuscar o que era mais importante: sua vontade.

Em casa, não podia sentir raiva, tristeza, alegria, amor. O desprezo pelas fagulhas emocionais que me apareciam, se tornava cada vez mais explícito na medida em que eu crescia e amadurecia mulher. Sentir era culpa pra todo lado; e assim, o estado constante de emoções confusas, intensas e instáveis se instalou e transformou a supressão e o exaspero em normalidade.

“Será que eu tô sentindo errado?” Tornou-se pergunta retórica, da qual venho aprendendo a me desvencilhar. Não existe sentença para sentimentos, porque eles não são ação — só um estado impermanente como resposta do corpo à vida.

Sentir é estar presente; aceitar o sentimento é colocá-lo em seu real lugar: mais uma coisa que acontece sobre nós. As vezes ilusória, as vezes importante. Em raras ocasiões, intenso demais para caber no peito; na maioria das vezes, extinto em minutos. No entanto, todo sentimento é legítimo. É por meio deles que entendemos a nossa própria essência: o que é valoroso e o que pode ser dispensado. É por meio dos sentimentos que tomamos a maioria das decisões definidoras de nosso caminho pela vida.

Termino esta divagação com um apelo, mesmo sem ter abraçado a maternidade: mães, mais do que apenas permitir, ensinem a seus filhos a importância do sentir e enfrentar suas consequências. Quando o sentimento se torna fugidio, ele volta mais forte. Volta disposto a dominar… e nos faz refém.

Por isso, mostrem a deus pequenos que uma vida sentida é também valorosa e cheia de felicidade. Mesmo na dor, na tristeza, no luto, na comoção. Aceite seus sentimentos e a felicidade vai te encontrar.

[Iza Laner]

--

--

Izadora Laner
Revista Subjetiva

Autora do livro Entre Margaridas e Fissuras. Instagram: @aposto.literario. Blue Sky: @izalaner.bsky.social