Não espere a onda bater

Cecilia Santos
Revista Subjetiva
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2 min readMar 27, 2020

No tsunami que matou milhares de pessoas no Pacífico, há uns bons anos, uma história, das muitas que esse fato gerou, me marcou muito: a de uma família que se salvou porque ouviu, e acreditou, no seu filho pequeno. Fato é que o moleque tinha aprendido na escola o que era um tsunami, e mais, como reconhecer a chegada de um. E quando estava na praia, de férias com os pais, e viu a água recuar e recuar e recuar de maneira absolutamente atípica, rapidamente entendeu o que estava acontecendo e conseguiu dar o alerta e salvar a eles mesmo e mais alguns que os seguiram. Saíram correndo em busca de abrigo, sem olhar pra trás, nem pensar duas vezes, nem pagar pra ver.

Ás vezes eu me sinto como se nós, todos nós, como nação, estivéssemos nessa praia, de bobeira, vendo as águas recuarem. Sabemos que tem alguma coisa estranha acontecendo, mas preferimos achar que é tudo exagero. E tem aí vários “meninos”, na forma de cientistas, médicos, noticiários, te dizendo e te mostrando que essa onda vai arrastar tudo, vai arrasar tudo, que muitos não se salvarão.

E eu sei, eu entendo, é muito ruim realmente largar esse solzão, a caipirinha e a brisa boa e sair em desabalada carreira para não morrer, sem nem saber direito o que vem. É muito difícil acreditar que algo tão repentino, sem aviso, sem ruído — como um tsunami — esteja se formando. Queremos ficar parados, de boa. Queremos nossa vida ali. Mesmo ruim. É a vida que conhecemos.

E ainda tem o salva-vidas. Que está lá olhando o mar, e ele não sinaliza nada, não é mesmo? Ele diz “se acalmem, é só uma ondazinha”.

Mas a vida já mudou. Você sabe que o mar não é mesmo. Você vê as aves se afastando. Não duvide. Não duvide dos seus instintos. Apenas se proteja. Porque a onda está se avolumando e vai bater. E ela arrasta tudo quando passa.

Ignore esse salva-vidas cuzão e corra.

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Cecilia Santos
Revista Subjetiva

degustadora de palavras. com mel. com cachaça. com pimenta.