Não há problemas com as pessoas, e sim entre elas

Jonatan Corrêa
Revista Subjetiva
Published in
4 min readFeb 17, 2020
Cena do filme “Her” (2013), de Spike Jonze. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=Q68rKU1Padk

Se a gente buscar resolver um problema específico que temos com uma pessoa, teremos nos encaminhado a resolvê-lo com todas as pessoas de nossas vidas. Pode ser muito bom para nós mesmos. Aham, andei filosofando. As pessoas não têm problemas intrínsecos, não são diabólicas e nem personificações do mal.

Quando encontrar o próximo conflito, te proponho que faça o seguinte exercício: não olhe para cada envolvido. Olhe para o interstício; para o contexto entre eles. Provavelmente não encontrará uma divisão maniqueísta, mas sim um problema interpessoal. Um choque de personalidades, de expectativas, de experiências, de realidades, ou do que for.

Claro que também acho difícil levar isso ao pé da letra vivendo o estranho momento histórico que estamos vivendo, em que a psicopatia parece estar em alta, mas quando paramos para analisar, — não sem alguma dor de aprendizado, — percebemos que o que há entre as pessoas (não raramente entre nós e os outros) são apenas dissonâncias. Do Amor ao Ódio. Todos frutos de relacionamentos passados e neuroses presentes. Tanto derivados de tradições e linhas de pensamento e comportamento positivas, generosas, plurais, por vezes até complementares ainda que diferentes, quanto traumas e absurdos normalizados, passados de geração em geração: relacionamentos abusivos em microescala, sistemas exploratórios em macroescala.

Convivemos todos os dias com pessoas sobre as quais não sabemos mais do que o que as habita em superfície. Não mais do que o que escolhem deixar o mundo ver. Convivemos também com outras, das quais ouvimos muito, e tudo soa como cânticos sereianos, sofridos, de profundidade abissal. Pedidos de socorro. Só que convivemos com uma parte muito pequena de tudo o que as pessoas representam. Deixamos passar muito do que um dia foram ou do que um dia podem vir a ser.

Raramente concordamos uns com os outros. Por completo? Não mesmo. Não não… Na verdade acabo de mudar de opinião: nunca concordamos com os outros. Concordamos sempre em partes. Somos diferentes, como partes de um todo. O que cedemos e recebemos em troca é algum espaço para podermos nos conhecer sem termos de necessariamente recorrer a uma arcaica violência física ou verbal para lidar com os impasses. Acontece que algumas partes de um quebra-cabeça se encaixam, formam um elemento em comum na gravura, um céu ou um barco, enquanto outras se enquadrariam melhor noutro canto da mesa.

O que quero dizer é que cada cabeça é dona de uma vastidão imaginativa que mal podemos compreender! Represadas sob o véu da consciência, ou mesmo da moral de nossas famílias, do nosso povo, dos nossos grupos, jazem as loucuras mais terrenas, mais puras ou mais caóticas. Jazem leituras únicas e infinitas do mundo, cheias de ideias terríveis e também geniais. Temos uma certa dificuldade em visualizar esse termo: infinitude; mas é o que representa cada pessoa, em potencial, e todas as pessoas juntas, por completo. Coisas indizíveis e crenças inimagináveis para mim são latentes obviedades para ti, e conforme nos falamos, esbarramo-nos nas diferenças. Por isso individualidade é importante. Funcionamos cada qual à sua forma, e por isso necessitamos de um certo vácuo entre nós. Espaço de respiro; silêncio. Uma zona cinzenta e vazia, colorida de vez em quando por algo entre suas opiniões e as minhas, quando assim escolhermos. Assim podemos nos orbitar com certa liberdade, nos aproximar sem choque, nos complementar. Podemos nos comunicar sem sermos sufocados por uma concordância fajuta ou uma repelência imediata. Ora, que impossível seria: dois mundos se aproximarem de repente entre si, vindos de experiências completamente distintas e muitas vezes de lugares opostos, e apresentarem-se exatamente iguais? Acho muito difícil. Nunca concordaremos em tudo.

Fica então evidente a necessidade de um “pacto civilizatório”. Um lugar comum que não sou eu e nem é você. É o interstício. É hora Nós, é hora Ninguém. Um campo comum em que falamos do tempo e bocejamos; em que concordamos com uma imbecilidade alheia qualquer num leve movimento de cabeça enquanto discordamos veementes com o coração; em que rimos desenfreados de algo que compartilhamos; em que damos voz a opiniões nossas, por vezes nada populares, e levamos os outros a pensar (ou somos levados a repensar); e dentro do qual também podemos, chorosos, comunicar uma desilusão e sermos acolhidos por uma visão de mais esperança. Presentes que recebemos com afeto uns dos outros. Algo que eles tinham e nos faltava, e sequer sabíamos que faltava.

Eu chamo esse espaço maleável entre nós por alguns nomes: às vezes de abertura. Outras de vulnerabilidade. E em última instância, de Amor. O Amor conecta as partes. Por isso, além da individualidade, o Todo também é importante. É imprescindível.

Por vezes nossas ideias se esgotam em si mesmas, e precisamos dessa abertura vulnerável para nos relembrar de que tudo o que existe é mais do que o que nossas vãs lógicas e filosofias podem, sozinhas, alcançar.

Todos os problemas e soluções estão entre as pessoas, e o que nos toca nesta vida são as dissonâncias entre elas. São o que torna infinito o que é finito.

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