Não se engane: a destruição da Amazônia é lucrativa

E já que quem lacra não lucra, vamos acabar com a maior floresta tropical do mundo

Ana Clara Barbosa
Revista Subjetiva
5 min readSep 3, 2019

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Foto: Ueslei Marcelino — Reuters

Os incêndios na Amazônia têm levantado uma preocupação constante sobre como proteger algo que tem valor para o mundo inteiro, mas que está contido nas fronteiras de alguns países, sendo o principal deles o Brasil, que possui cerca de 60% de sua área total.

Esse debate — que deveria ser sério — está agora atolado em disputas mesquinhas, quase todas elas partindo das falas estúpidas de Jair Bolsonaro. As trocas de farpas entre o nosso “líder” e Emmanuel Macron, o presidente da França, mostram exatamente isso: um choque de egos sobre quantias relativamente insignificante de dinheiro de alguns dos países mais ricos do mundo, com ofensas em um nível baixo até para crianças do ensino fundamental.

Tudo isso, é claro, levanta um ponto importante. Mesmo com todas as preocupações e pressões internacionais, o destino da Amazônia é de responsabilidade majoritariamente das forças políticas e econômicas do nosso país. E, ainda que agricultores, pecuaristas, mineiros e madeireiros tenham extraído um valor tremendo da derrubada da floresta tropical, nós ainda temos leis para preservar a floresta, que já foram utilizadas antes contra o desmatamento. Agora, será necessária uma pressão pública gigantesca dos brasileiros para que isso aconteça novamente, afinal, uma coisa é fato:

Para algumas pessoas, destruir a Amazônia é lucrativo

A Amazônia é um enorme reservatório de carbono e abriga a maior concentração de biodiversidade do planeta. Seu papel é fundamental para o clima da região, e os cientistas ainda estão entendendo como a floresta afeta todo o sistema climático global.

No entanto, o desmatamento e os incêndios só têm aumentado, revertendo anos de declínio. A maioria deles foi iniciada por seres humanos a serviço da mineração, exploração madeireira e agricultura. Vários cientistas agora estão alertando que a Amazônia está se aproximando de um cenário de morte, onde se perde muita floresta para que o ecossistema como um todo possa entrar em colapso. Mesmo com esse risco, no entanto, há enormes pressões econômicas por trás dessas chamas.

Um dos maiores impulsionadores do desmatamento é a pecuária. Como vivemos dentro dessa lógica mercadológica do lucro, é fácil entender o porquê: o Brasil é agora o maior exportador de carne bovina do mundo, e suas exportações geraram US$ 6,7 bilhões para a nossa economia em 2018. A destruição da Amazônia é proporcional a evolução do rebanho bovino na região. Na década de 1970, apenas 1% da floresta estava desmatada, hoje o índice chega a 20%, segundo relatório da Procuradoria do Meio Ambiente do Ministério Público Federal. Em 2000, eram 47 milhões de animais por lá. Hoje são 85 milhões.

De acordo com matéria da Repórter Brasil, a Terra do Meio, localizada na Bacia do Rio Xingu, é ameaçada pelo avanço do desmatamento na cidade paraense de São Félix do Xingu, que possui o maior rebanho bovino do país, com 2,2 milhões de cabeças. A JBS, gigante mundial na produção de carne, foi flagrada comprando gado da AgroSB, grupo econômico já multado pelo Ibama por desmatar a Amazônia.

Ainda que em menor proporção, a soja também é uma das grandes responsáveis pelo seu desmatamento, afinal, nós somos o segundo maior produtor da oleaginosa no mundo. Cerca de 80% da soja cultivada na Amazônia é usada para alimentação animal, e trabalho escravo e desmatamento ilegal já foram denunciados em sua produção no norte do Mato Grosso, cujo bioma é amazônico. Essa soja foi exportada para Noruega e utilizada para alimentar cardumes de salmão. Uma investigação feia em 2016 pelo Ibama mostrou que, também no Mato Grosso, existem os compradores de “soja pirata”, um grão produzido em áreas desmatadas e embargadas.

Outros recursos naturais, como depósitos de ouro, alumínio e petróleo, também estão presentes na Amazônia, e a mineração ilegal subiu para níveis sem precedentes, de acordo com a Rede de Informações Socioambientais Georreferenciadas da Amazônia (RAISG), um grupo de fiscalização ambiental. A demanda por madeira também estimulou a sua extração ilegal. Por exemplo, em 2018, empresas dinamarquesas compraram produtos de madeireiras brasileiras multados diversas vezes pelo Ibama.

Esses são apenas alguns dados e denúncias sobre o que acontece na Amazônia. O Brasil sempre teve essa característica entreguista, nossos recursos naturais são vendidos há anos ao capital estrangeiro. No entanto, o lucro nunca foi revertido para nossa população. Esses quadros, já preocupantes anteriormente, se agravaram desde a posse de Bolsonaro. A aplicação de leis ambientais, por exemplo, caiu drasticamente. Segundo a BBC, o órgão de fiscalização do Ministério do Meio Ambiente do Brasil emitiu quase 30% menos multas este ano em comparação com o mesmo período do ano passado. E nada disso deveria surpreender, afinal, Jair afirma desde a sua campanha que explorar a floresta era uma prioridade de seu governo. Com isso, ele ganhou apoio do lobby agrícola.

A escolha de Bolsonaro para o ministro do Meio Ambiente também tem muita contribuição para o contexto que estamos vivendo. Ricardo Salles foi considerada culpado no final do ano passado por alterar mapas em um programa de proteção ambiental para beneficiar as empresas de mineração durante seu mandato na agência ambiental do estado de São Paulo. A política ambiental de Salles claramente prioriza o lucro, e ele não tem a menor vergonha em admitir isso, afinal, chegou até a dizer que a “Amazônia precisa de soluções capitalistas”.

O agronegócio brasileiro sempre teve relações estreitas com nossa classe política. Em 2014, a JBS foi uma das grandes financiadoras de campanhas eleitorais. Ainda que a empresa não tenha sido diretamente multada por desmatamento, não podemos esquecer que ela mantém na sua rede de fornecedores grupos que são atuados por este crime. Nomes importantes como do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o ex-presidente do Senado, Renan Calheiros, foram financiados por executivos ligados a companhias autuadas pelo Ibama por crimes ambientais, inclusive, desmatamento ilegal. Pelo menos 117 deputados e senadores eleitos receberam doações.

Uma coisa é fato: a exploração econômica da Amazônia é o que está por trás dos 46 mil focos de incêndio que atingem a floresta desde o primeiro dia de janeiro. Não é à toa que as atuais queimadas estão acontecendo em áreas tradicionalmente dedicadas a pastagens ou a plantações de soja. E provavelmente eu estou aqui “pregando para convertidos”, mas é essencial entender que, dentro do sistema em que a gente vive, é aceitável causar um impacto ambiental, se a finalidade for obtenção de lucro. O quadro atual é preocupante, mas não é irreversível se nós tivermos dispostos a realmente transformar a situação. Afinal, o clima já mudou. E a gente?

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Ana Clara Barbosa
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