NÃO TEM GRAÇA

Juju, ué
Revista Subjetiva
Published in
2 min readMay 15, 2021
Foto: divulgação

Como é que faz graça nessas horas né? Como é que faz piada, ironia, provocação, bestagem, insolência, desaforo?

Ei, as pessoas estão no lugar errado! Ninguém percebe? Morre quem deveria ficar e fica quem… pelo amor do divino, não precisa morrer, mas que tal sumir, hein? Se sumir já ajuda.

Eu escrevo crônicas há nem sei mais quanto tempo. A graça da crônica é que às vezes ela tem graça. Inspirada pelos mestres e mestras da escrita, eu sempre embutia ali no cantinho um risinho oculto, uma gracinha dessas de personalidade múltipla. Faz meses que não consigo escrever. Afinal, como é que faz graça agora?!

A manha de escrever crônica está em pegar algo bobo, que faz parte do cotidiano de todo mundo e transformar em causo, em despautério, em plot twist. Mas agora, como é que faz? O cotidiano de todo mundo nunca esteve tão igual e tão diferente. Em retrospecto, no último ano, o cotidiano de ninguém tem graça.

Aliás, pro ser humano que é brasileiro dá pra fazer uma retrospectiva por semana. Não precisa esperar dezembro, não. A cada semana é um chute no estômago, uma canelada na beirada da cama, uma afta na ponta da língua. E eu te pergunto: como é que faz graça?

Eu prometi a mim mesma nunca escrever coisas pra deixar todo mundo pra baixo. Gente, tem alguém aí que tá pra cima? A Juliette, talvez. Que bom pra ela. Alguém nesse país precisa estar pra cima. Alguém precisa fazer graça. Tinha alguém que podia fazer graça, mas ele acabou de cansar dessa palhaçada e foi embora. Viu? As pessoas estão nos lugares errados.

Levei tanto tempo pra escrever uma crônica do cotidiano porque não sabia como. Enfim, taí, nosso cotidiano. U-hu?

Esta é a única crônica que eu desejo ardentemente que se torne anacrônica. Porque um dia a gente vai poder fazer graça novamente. Vai poder se reunir com amigos num lugar bem lotado, bem barulhento, desmascarar todos os dentes num sorriso corriqueiro, comer batata frita sem lavar a mão. Nesse dia eu volto a embutir graça nas palavras. Só precisamos recarregar os estoques de graça.

Estoque de cloroquina tem, mas de graça, ah, de graça não tem.

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