Não voltar para São Paulo no dia 2 de janeiro

Passei tanto tempo voltando para o trabalho logo depois do ano novo que, quando não precisava mais fazer isso, continuei fazendo

Alessandra Nahra
Revista Subjetiva
4 min readJan 5, 2021

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o "escritório" atual

Eu fui sócia de uma empresa uma vez, e, por mim, o recesso de ano novo duraria até o dia 10 de janeiro (sem descontar das férias). Minhas sócias, que são muito queridas mas são muito workaholic, nunca concordaram comigo nesse ponto (e nem em vários outros). Assim que continuamos voltando para o escritório logo em seguida do feriado, talvez apenas um dia depois, pra não pegar tanto trânsito. Eu saí da empresa em dezembro de 2016. Em janeiro de 2017 me peguei tomando banho de mangueira na laje do sobrado onde morava em São Paulo e me perguntando "que raios estou fazendo aqui? Por que voltei da praia?". Eu estava começando minhas atividades em outra área e achei que precisava estar lá, na cidade onde as coisas acontecem, mesmo em pleno verão. No ano seguinte ainda fiz igual. Demorou pra eu me permitir ficar na praia quando todos estavam voltando para os seus trabalhos. Os velhos hábitos, aqueles que demoram para morrer. A gente é bem preso às correntes que nós mesmos nos colocamos.

(Fazendo uma retrospectiva, percebo que todas as vezes em que pedi demissão anteriormente era dezembro. Pois: verão. O verão me chama pra fora. Pro sol e pro mar. O verão me chama para a sanidade. O que demonstra como eu mudei nos últimos anos em que morei em São Paulo. Quase virei eu mesma uma workaholic. Ainda bem que me salvei a tempo.)

Eu sempre tive muita sorte com trabalho. Claro que tem competência, mas não dá pra creditar apenas à competência toda a sorte que tive com o trabalho. Sempre consegui escolher o que eu queria fazer, e muitas vezes conseguia escolher também como eu queria fazer. Uma vez fui conversar com uma agência digital que estava recém começando. Eles precisavam de uma arquiteta de informação. Fizeram a proposta. Eu fiz uma contra-proposta: por esse salário eu posso trabalhar três dias na semana — topam? Toparam. Tá certo que naquela época ainda não tinha tanto arquiteto de informação. Hoje em dia a gente chuta uma moita e salta um bando de UXers.

Esse é um exemplo da sorte que eu sempre tive. Outro exemplo é eu estar dura, sem grana, desempregada, sem saber o que fazer, e aí surge um convite, uma oportunidade, uma tabuinha pra me salvar. Tem bastante a ver com estar no lugar certo na hora certa. Ou seja, sorte. Claro que sorte tem a ver com privilégio também, é óbvio que todos os meus me colocam em lugares propícios para ter sorte e poder escolher o que e como.

E assim eu escolhi ser freela. O que pra mim é o melhor formato (recomendo). Estava lendo um texto no NYT em que uma moça contava as mudanças na vida dela, que incluíam construir uma casa com energias renováveis em uma comunidade, onde poderá plantar e compartilhar alimentos com as outras pessoas. Isso não significa, ela disse, que vai viver com total autonomia. Mas que vai ajudá-la a viver na "periferia do modo capitalista nove-às-cinco". Ela se refere à vida de escritório. Cinco dias da semana, pelo menos, das 9 às sabe-se lá que horas, dependendo da profissão. Que tempo para viver e fazer outras coisas, inclusive o serviço, a tarefa na vida, tem uma pessoa que trabalha assim?

No fundo, é sobre conciliar trabalho e vida. Não dá pra fazer do trabalho tudo na vida. Não dá pra viver com um trabalho que nos impede de viver.

Uma das coisas que mais amo no formato que escolhi — freela (trabalho para outros) e autônomo (trabalho para mim e serviço pra a Terra) — é não precisar voltar para o escritório no dia 2 de janeiro. Aliás… ultimamente não preciso voltar para lugar nenhum. Não moro mais em São Paulo e meus trabalhos são quase todos online. Meu escritório no mês de janeiro está sendo esse aí da foto. Depois vai ser qualquer lugar em que eu estiver. A sanidade é estar com os pés na terra, o corpo no sol e ar limpo nos pulmões. Recomendo.

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Alessandra Nahra
Revista Subjetiva

Escrevo, planto, estudo, viajo. Falo com bichos, abraço árvores, e vice-versa.