Naruto, Sasuke e a amizade masculina

Rafael Moreno
Revista Subjetiva
Published in
3 min readMay 17, 2021
Direitos de Imagem: Masashi Kishimoto/Shonen Jump

Era a minha primeira vez num evento de anime. Se não me engano, o evento era o Anime Dreams. O ingresso custava cinco reais e a fila na entrada era imensa, com os tão aguardados (por mim, pelo menos) cosplays.

Daí é rolê pra cá, rolê pra lá, bancas de tudo quanto é produtos. Buttons, dvd’s, camisetas, mangás, chaveiros, tocas e tudo que você poderia imaginar.

Com os meus mangás em mãos, desci para outro ambiente do evento. Era um auditório a céu aberto. Teria uma apresentação de cosplay com votação para o melhor cosplay do dia.

Um dos apresentadores da disputa mandou a piada “quibe do Naruto”, “rosca do Sasuke”. Isso no comecinho da década de 2010. Piadas de cunhos sexuais recheadas de homofobia, que à época, se não compreendida em sua totalidade, era infinitamente menos debatida do que hoje.

De lá pra cá, abandonei o anime pouco depois da fase “clássica”. Até que decidi retornar para o Shippuden e ver qual é a do ninja imprevisível número um de Konoha.

Nesse meio tempo, o que mais escutava era: Shippuden só foca no Naruto e no Sasuke, esquecendo o restante do elenco. Ok, aqui cabe um ponto, apesar de incrivelmente eu discordar dessa visão (podemos papear sobre isso noutra oportunidade).

O fato era: as piadinhas continuavam.

Não foram poucas as vezes que o Sasuke foi chamado de emo, numa alusão de definição de gênero em relação a um estilo de música, que convenhamos, não faz sentido algum. Ou mesmo o batido lance da Sakura gostar dele e o mesmo só ter olhos pro Naruto, que também era zoado por ignorar a Hinata “dando mole”, para “ir atrás do Sasuke”.

Meu primeiro pensamento foi: e qual seria o problema do Naruto e o Sasuke serem um casal que se ama?

O pensamento seguinte veio dessa problemática machista que me levou a conclusão anterior, e é justamente esse o ponto que quero explorar: porque a amizade entre homens não é vista com normalidade?

Digo, não falo da amizade no futebol, no boteco, no truco, broderagem ou vídeo game, todos esses estereótipos masculinos de diversão e relação social.

Falo da amizade amizade mesmo. Daquelas que você abre seu coração e te faz chorar por compartilhar seus sentimentos.

No documentário “O silêncio dos homens” um das discussões abordadas se dá na construção abstrata do “ser homem”, daquilo que o o homem deve ou não deve fazer para continuar “sendo homem”.

Nós homens, a partir do momento que não compartilhamos nossos sentimentos e vulnerabilidades, mesmo rodeado de amigxs, companheirxs, nos encontramos sozinhos.

Não nos expressamos para ninguém, porque nos foi ensinado que expressar aquilo que sente é sinal de fraqueza, uma vez que tomamos pra nós a alcunha de “provedores”. E dentro dessa casca que criamos, replicamos comportamentos tóxicos para nos mostrarmos fortes frente aos outros, seja lá o que significa ser forte.

É quando voltamos para o Shippuden.

É quando voltamos para dez anos atrás.

A plateia deu aquela boa risada da piada. Ora, foi uma piada e piada é piada, não é mesmo?

Mas o que ela trouxe consigo, além da incompreensão social daquilo que faz um homem ser mais ou menos homem, a ponto dele se questionar a todo o momento se as suas próprias escolhas estão condizentes com o que “se espera” no meio em que vive?

Até porque, meu caro leitor (nesse caso, especificamente para nós homens) qual foi a última vez em que confiou a um amigo os seus sentimentos, medos e anseios?

Aqui vai um spoiler sobre o que penso de Shippuden: ele nunca foi sobre a Akatsuki, o Madara ou o sonho do Naruto em se tornar Hokage.

Shippuden é sobre uma amizade genuína e o quanto se luta por ela.

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