Ninguém liga para sua arte. Continue fazendo.

André Arrais
Revista Subjetiva
Published in
4 min readOct 2, 2019

--

Enviado de Azathoth, pelo usuário r/Cthulhu_Cuddler

Se você tem alguma aptidão artística, seja qual for e não fazendo julgamentos da arte que realiza, em algum momento, uma das realizações mais complicadas lhe ocorreu. Com sorte, você descobriu por conta própria, através de elucubrações, através de uma grande decepção ou um exemplo, caso não, alguém lhe disse, com palavras mais ternas ou com mais doloridas para afetar seu ego. Ainda que, essa pequena verdade universal vai um pouco além profundo do que o ego, e sim naquele sonho idílico do além da sobrevida, da vida assalariada e anestesiada. Se alguém não lhe disse antes, jovem inocente, sinto muito que tenha que ser eu a lhe dizer, mas: A menos que seja relativamente famoso ou bem estabelecido ninguém, absolutamente ninguém, liga pro que você está criando neste exato momento. Nem seus amigos, que provavelmente se importam por gostar de ti, nem sua família, talvez nem mesmo sua pessoa amada, que deve fazer o mesmo que seus amigos.

Claro, essa frase em si não é algo fechado. Seus amigos podem de fato gostar das suas criações, sua pessoa amada também e sua família pode dar apoio, só não é o caso na maioria das vezes, ainda por cima, mesmo que as pessoas próximas de ti gostem das suas criações, não significa que desconhecidos vão se dar ao trabalho de ouvir sua música, seu podcast, ver seus quadros, pinturas, fotografias, ir nas suas apresentações, ler seus textos e contos, tampouco pagar por qualquer um destes. Principalmente pagar. Dificilmente consigo me ver pagando por um texto, não seria são da minha parte esperar que pagassem pra lerem os meus, ainda que gente mais burra do que eu esteja ganhando a vida falando mentiras, propagando besteiras ou meramente sendo burras publicamente, isso não significa que devo, tampouco você, deva se rebaixar a esse nível. De preferência, não o faça. Ainda acredito que, se o mundo não voltar aos eixos logo, essas figuras vão ser as primeiras a sofrer da raiva que cultivaram. Se a humanidade é somente um instante dentro de todo o infinito, começamos em silêncio e encerraremos nossa passagem em cólera.

Entretanto, tendo em vista que, o ato de criação é, em si, dar luz à uma ideia, uma tese, ou trabalhar com algo que já existe de uma outra forma, algo que consome energia, vontade, linfa, por vezes recursos e tempo, por quê continuar fazendo se não há incentivo? Nem reconhecimento? Afinal, há um esforço ali, um aprimoramento, um desenvolvimento de uma técnica que exigiu prática, estudo, pesquisa.

Essa é uma resposta que, alguns descobrem fazendo, outros descobrem na pausa. Na pausa, no não fazer, a resposta é: Porque é preciso. Simples, obtuso e estúpido assim. Porque não há vida para quem cria se não estiver criando, porque acima do reconhecimento, do acumulo financeiro, para quem faz arte, independente da forma, do veículo e da plataforma, se ela não é feita por você, não será feita por ninguém. Mesmo que alguém, por meio do inconsciente coletivo, tenha a mesma ideia, não fará do mesmo modo. Acima de tudo, acima da necessidade individual, seu texto, sua pintura, sua música, seu podcast, sua apresentação de teatro, seu curta metragem, suas fotografas, sua arte que for, é o que torna esse ambiente virtual minimamente tolerável e suportável. Com o advento da ultra política, a ultra simplificação da vida se encontra operante, consequentemente, conteúdos precisam ser condensados, imbecilizados e infantilizados. Tudo é um choque, um abalo, um carinho ou uma agressão à, novamente, infância.

Se o intento da internet era o acesso democrático a tudo, então podemos decretar que esta não só foi bem-sucedida, mas tão bem-sucedida que falhou miseravelmente. Se fomos contaminados pela doença do retrocesso, da barbárie, do ódio virulento, essa infecta ao indivíduo ao ponto tornar mais e mais difícil uma vida, ainda que para além do digital, então é aqui toda criação com intento de trazer acalento, reflexão sincera e calor é mais necessário. Criar aqui já não se torna mais uma necessidade do ego, mas uma necessidade do coletivo digital. Um dever cívico e político que, em face dos tempos negros, é na produção criativa que se encontra a discordância harmoniosa, a não alienação, o unguento e o âmbar para todas essas questões. Independente de sequer haver, implícito ou explícito política dentro do conteúdo, isso se torna irrelevante, o ato criativo em si já se tornou subversivo, com isso, altamente desestimulado. Se antes, o esforço era para que esses impulsos pudessem ser minimizados, com a militarização da vida no horizonte, agora o objetivo é para esmagar qualquer impulso desviante, brutalizado será. Criar, neste contexto, é o exercício que redime não só o criador, nem a criação, mas também quem o recebe. O ciclo virtuoso há de continuar e é aqui que a arte dos desapropriados, dos invisíveis e dos medíocres toma espaço.

Portanto, não tem relevância se nenhuma pessoa vê, consome, paga ou comenta, se a ideia já foi feita antes ou não sabe a realizar. Nada disso importa e não deve importar. Ninguém se importa com sua arte, mas ainda assim, no horizonte há a possibilidade que nem a possibilidade de criar arte exista, dada essa distopia, crie. Porque mesmo que nenhuma alma se dê ao trabalho de ler este texto, eu me importo com ele o suficiente para continuar produzindo, continuo me importando com sequer a possibilidade de continuar produzindo, deste modo, vida longa às artes das pequenas pessoas que fazem da vida real e digital um tanto mais tolerável, quando por muitas vezes, profundamente bela.

--

--

André Arrais
Revista Subjetiva

Graduado em Direito, escritor e invariavelmente cansado.