O abraço mais aguardado

Gabriel Martins
Revista Subjetiva
Published in
3 min readAug 3, 2020
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Quando que a gente realmente começa a abraçar quem a gente é de verdade? A gente passa muito tempo da nossa vida fugindo de quem a gente é mesmo. Por pressão, por não encontrar iguais, por não conseguir suprir as expectativas, por não querer ser rotulado. A lista de razões é numerosa e crescente.

A gente vive num mundo que dispara sinais muito claros sobre quem a gente deve aceitar ser. E tem uma crueldade nesses sinais que faz mais mal do que bem. Como se fosse permitido para qualquer pessoa ser "complicada" somente se estiver acompanhado de "perfeitinha", como já cantamos por aí. E é só isso que podemos demonstrar ou permitir que vejam da gente.

É como se qualquer exercício de intimidade tivesse ganhado um viés de complexidade adicional, onde se aproximar das pessoas nem sempre significa conhecê-las até que as cicatrizes sejam visivelmente escancaradas.

Exagero? Eu diria que talvez, se não fosse agora, quando todo mundo trava uma batalha diária para demonstrar sua estabilidade e prosperidade emocional a qualquer custo no post na rede social. Eu diria que é só uma fase, se não fossem todos amigos que já vi desistindo de habitar esse ambiente suspenso de realidade onde aparentemente há uma promessa de felicidade contínua.

Parece que um dos requisitos para adentrar nesse espaço de boas notícias, novos projetos e missões motivadoras seja um compromisso com um limite que ninguém conhece. Ai de mim ser visto como uma pessoa paranóica e complicada — que todo mundo é, em algum nível, e alguma capacidade. Ai de mim não conseguir lidar com todas expectativas criadas sem permissão — e que me acompanham de forma silenciosa, curiosa e incessante sem trégua. Ai de quem não conseguir amortecer a avalanche de sentimentos — que todo mundo sente — e canalizar numa foto alegre e positiva do instagram.

A tarefa para quem quer passar por isso tudo e sair ileso por aí não é das fáceis, mesmo. Etimologicamente, aceitar infere concessão, conformismo e, consequentemente, imprime um toque de desistência. Aceitar quem a gente é parece muitas vezes uma frase de anúncio de derrota contra quem a gente gostaria de ser.abraçar traz consigo a acolhida, o envolvimento, a disposição e adoção daquilo que inconscientemente deveria ser diferente.

Do meu lado eu já consegui abraçar que sou impaciente, obcecado, impulsivo — talvez um pouco dramático. Um abraço tão inclusivo, compreensivo e facilitador que me permitiu não só aceitar, mas celebrar também quem eu não consigo fugir de ser, mesmo com todos os lembretes recebidos desde cedo de que “se eu pudesse mudar, eu deveria”: homossexual, negro e gordo.

Nesse mundo de recados não tão subliminares assim, depois de me abraçar assim, eu consegui ver com clareza que apenas me aceitar não é suficiente, é me negar uma boa olhada no espelho com sinceridade e uma deitada no travesseiro com tranquilidade.
E contra esse direito, não tem ninguém que pode me contestar.

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