O adeus roubado

Cecilia Santos
Revista Subjetiva
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2 min readMay 13, 2020
(unsplash)

Quando eu morrer, compareçam ao meu enterro. Não me interessa se vão enterrar meu coração na curva do rio, se vão me cremar, me enterrar ao pé de uma árvore. Não me interessa se haverá velório, cortejo, ou uma rave. Apenas estejam lá. Chorem por mim. Abracem os meus. Digam a eles que eu estou bem, que estou num lugar melhor, que toda essa dor vai passar. Não importa que não acreditem nisso.

Estejam lá e chorem por mim. Riam de mim. Contem sobre meus feitos, desfiem meus defeitos, debochem dos meus malfeitos. Contabilizem minhas dívidas e compartilhem minhas histórias para finalmente me conhecerem. Se abracem. Se consolem. Porque eu parti e sentirão minha falta, e porque foi bom enquanto durou. Não percam a oportunidade dessa despedida, e me digam adeus, fiquem bêbados por mim, cantem as canções que eu amava, e sigam suas vidas então. Tristes, em luto. Despedidos de mim.

Porque hoje, nos tempos de hoje, não há mais despedidas. As pessoas se vão e não podemos rememorar suas histórias num ritual que é só nosso e com dor e revolta dar o último adeus. Estamos em um tempo que o último adeus nos foi negado e só quando precisamos dele, quando precisamos e não podemos dar aquele abraço em quem amamos e dizer “vai ficar tudo bem”, é que percebemos porque até os elefantes tem rituais funerários para seus mortos.

E não, eu não vou morrer tão cedo, saibam e assegurem-se. Mas estejam convidados. Quando eu me for, por favor compareçam, e se abracem por mim.

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Cecilia Santos
Revista Subjetiva

degustadora de palavras. com mel. com cachaça. com pimenta.