O amor não tem cor?

Nassor Oliveira
Revista Subjetiva
Published in
7 min readDec 3, 2018
This.

Se você já ouviu os termos Síndrome do Cirilo, Palmiteiro ou críticas severas a casais formados por pessoas de diferentes raças e ficou meio confuso, e mesmo depois de saber o significado se sentiu na necessidade de uma análise mais aprofundada, esses textos são para você. Agora se você acha que não existem barreiras para o amor entre diferentes raças (aqui meu foco é nas relações entre negros, negras e brancos, brancas) esses textos também são para você.

Por não vivenciar essas questões e por questões identitárias demandarem muito da legitimidade do lugar de fala , deixo aqui indicações de textos que abordam a questão da solidão da mulher negra, relações interraciais entre casais homossexuais, dinâmicas com peculiaridades que devem ser observadas com lentes e atenção demandadas pela singularidade dessas relações.

Vamos a um panorama geral:

Então podemos analisar de forma igual? Homens e mulheres?

-Não.

É imprescindível antes de qualquer palavra a mais buscar a compreensão de que quando falamos de racismo e relações interraciais estamos falando de realidades diferentes se estamos tratando da mulher ou do homem negro, simplesmente pela existência de um fator que faz muita diferença na dinâmica das relações de poder (porque não?) que se refletem nos relacionamentos: O machismo. Portanto vamos iniciar a análise abordando as questões inerentes a análise em geral, passando pela situação e perspectiva de um homem negro, minha realidade, com todas nuances e debilidades que isso possa causar, mas sempre aberto a novas ideias.

O homem “palmiteiro” e a “Síndrome de Cirilo”

Aqui um exemplo de homem palmiteiro? Nãooo, pera.

O termo Palmiteiro a grosso modo surgiu no círculo do movimento feminista negro se referindo ao homem negro “desconstruído” ou não, que não por coincidência acaba por sempre preferir parceiras brancas para relacionamentos sólidos, muitas vezes relegando a mulher negra o papel de amante, stand by, e alegar em todo e qualquer momento que “não está pronto para coisa séria no momento”.

Curiosamente esse fator está associado a chamada Síndrome de Cirilo , personagem negro da novela infantil Carrossel, que apaixona-se por uma menina branca e popular de sua escola, que o esnoba por muito tempo. O exemplo serve apenas para ilustrar como no imaginário de muitos homens negros, principalmente aqueles inseridos em contextos de divergência social, é romantizada e validada a ideia dessa natureza , que não teria problema nenhum se não viesse carregada por raízes de predileção pelo perfil da mulher de sua própria raça, o que culmina no fenômeno da Solidão da Mulher Negra, a qual abordo de forma básica, por destacar a necessidade de protagonismo das pessoas que sofrem com esse fenômeno na abordagem.

O amor tem cor ?

Quando se fala de amor, não. Até porque quem cuida de amor são os livros de poesia, a literatura e a maioria das canções no rádio: O amor, extremamente subjetivo, não é uma variável estatisticamente verificável, que possa ser isolada, comparada e analisada. Entretanto, isso não nos impede de analisar todo o contexto exterior e que se manifesta a partir dele, ou seja, o que existe por trás do amor que julgamos não ter cor.

Soa muito cruel condenar toda experiência de relacionamento entre duas raças como uma manifestação do racismo, embora este se manifeste no desconforto observado na reação da maioria das pessoas. É plenamente possível uma relação na qual duas pessoas de diferentes raças se amem, compreendam, se ajudem e combatam juntas o racismo.

O grande problema do discurso do “amor não tem cor” se inicia em casos nos quais por exemplo parte da pessoa negra (geralmente homem), em detrimento de seu próprio povo, uma predileção indiscriminada pela raça branca, ou quando o indivíduo branco se torna uma espécie de “herói’’ por se relacionar com um negro ou uma negra. É lastimável também quando esse amor sem cor tenta higienizar todos os traços de negritude, numa lógica de eugenia , para “embranquecer a família” e faz com que a pessoa negra envolvida na relação (geralmente em ascensão social) negue tudo aquilo que é para incorporar uma postura racista e classista, sendo assim aceita no novo grupo.

É necessário refletir também sobre a tentativa de silenciamento de qualquer manifestação antirracista vinda de uma pessoa envolvida numa relação interracial, como se quando uma pessoa estivesse num relacionamento com uma pessoa branca, toda sua vivência enquanto negra fosse deslegitimada, o que se prova falso. Uma pessoa nessa modalidade de relacionamento se vê diariamente exposta à situações de racismo,de forma velada ou exposta na sociedade e inclusive entre membros da própria família e/ou da família dos parceiros. A postura da militância em minha opinião não deveria ser de julgamento e condenação, mas de compreensão e solidariedade.

A manifestação reversa do que apontei no parágrafo anterior, desaprovada por mim, é daquela pessoa branca situada num relacionamento interracial que acha que apenas por ter “adotado” um negro ou negra, está blindada eternamente contra toda e qualquer crítica em termos de discriminação racial, é a evolução degenerada do clássico: “Racista eu? tenho até um amigo (namorada) negra”. O que muitas dessas pessoas não enxergam é que com este equívoco podem estar traumatizando seus parceiros e naturalizando condutas erradas quando na verdade a reflexão e cautela deveriam ser maiores. Se você se encontra num relacionamento assim, CORRA!

GET OUUUUUT!

E uma recomendação pra você que procura um namorado negro para irritar seus pais extremamente conservadores e racistas: Procure algum outro instrumento de causar raiva em pessoas, numa relação de afeto e troca se espera no mínimo que estejam envolvidas duas pessoas, não uma pessoa e um instrumento, um meio para um fim: Isso não é revolução, isso é objetificação, por maior que seja a “boa intenção”.

Agora…

Saudades Telecurso 2000

Tendo analisadas todas essas possíveis manifestações é necessário isolar novamente o sentimento e pensar no fenômeno social, investigando o que está por trás de nossos sentimentos. Por séculos não fomos representados, encorajados a sentir vergonha de nossos corpos, nossas manifestações culturais e religiosas, e porque não, de nossos afetos? Cabe a nós negros e negras analisar as raízes do que aspiramos: Meu “crush” é uma manifestação legítima e recíproca de afeto ou é uma tentativa de ser melhor lido pela sociedade absorvendo características de um parceiro num grupo supostamente melhor lido socialmente que o meu? Minha admiração se dá pela “raça humana” ou apenas por aquela parcela que a mídia e a sociedade desde pequeno me fizeram considerar mais “limpa, pura, imaculada e apta a ser amada construindo um relacionamento estável”?

Observemos como nossos INIMIGOS abordam relações interraciais e o papel de homens negros de destaque no reforço de esteriótipos de subvalorização da mulher negra.

Para os amigos e amigas brancas, fica a reflexão de como encarar a afetividade em relação aos indivíduos negros: “Eu leio o homem ou a mulher negra livre dos esteriótipos racistas que por muitas vezes já ouvi de gente supostamente bem intencionada?” Coisas como : “Depois que experimentei um negão não quero mais saber de branco” , “Mulher negra é mais quente”, coisas que na cabeça de uma pessoa sem noção podem parecer elogio, mas na realidade reforçam o esteriótipo da mulher e homem negro utilizados e abusados como ferramenta sexual da casa grande. Você está preparado para amar uma mulher negra enquanto mulher? Não só uma “negona” ou uma “neguinha” ? Você está preparada para compreender um homem negro, que pode por muitas vezes se sentir inseguro, desajustado e ter problemas como qualquer pessoa?

Fico pensando como a Kelly Key achou que uma letra dessa poderia de alguma forma ser uma espécie de combate ao racismo, dai eu lembro do tipo de bizarrice que já ouvi e entendo essa mentalidade (podre). Negão que te “coloca pra chorar” misericórdia. Ele é um “negão ,MAS não lhe falta educação e respeito” APESAR DE SER NEGRO ELE É EDUCADO VIU GENTE.

Ainda para as pessoas brancas, é preciso perceber quando o seu papel num relacionamento é de um “troféu”? Um passaporte para uma “elevação de classe social” Você tira proveito dessa situação para tirar o “melhor” de um povo, quando talvez muitas vezes não tenha o mesmo acolhimento dentro do seu próprio? É uma reflexão para a vida.

Precisamos derrubar mitos e barreiras na afetividade entre pessoas negras e encarar de forma honesta o que sentimos, considerando todo o pano de fundo político, sociológico e efeitos psicológicos. Tais posturas são ferramentas para rompermos mais ainda as cadeias que ainda nos prendem e impedem em muitas circunstâncias nossa emancipação dessa lógica opressora que acaba por comprometer nossas visões de mundo e vivência de nossos afetos.

Eu agradeço a leitura até aqui e convido a continuar acompanhando o portal para os próximos textos.Tem alguma dúvida? Discordou de algo? Concordou? Não deixe de comentar e compartilhar com os amigos e amigas.

Nassor de Oliveira Ramos.

Instagram: @nassoroliveira

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Nassor Oliveira
Revista Subjetiva

Cientista Político I Colaborador na Revista Subjetiva e Editor na Revista Marginália. Instagram: @nassoroliveira