O Batman não é o herói que precisamos

Rafael Moreno
Revista Subjetiva
Published in
4 min readAug 1, 2020
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É muito interessante a percepção da maioria em acreditar que, em um mundo real, o Batman olharia por elas. E isso diz muito sobre a nossa percepção de justiça em nossa sociedade.

Afinal de contas, do que se trata a justiça? A quem ela socorre?

Temos no mundo fictício de Gotham um homem bilionário que, acometido pelo trauma da violência urbana, resolve combater o crime no melhor estilo Hamurabi. Olho por olho e dente por dente.

A própria concepção do morcego traz muito da mensagem que ele quer passar aos malfeitores. Medo. Mesmo que, para ele signifique a superação a sua fobia por morcegos, o principal objetivo de vestir esse traje é causar medo.

Assim, temos um homem fantasiado de morcego combatendo crimes através do uso da violência, o que gera um ciclo vicioso em que a violência acaba sendo o centro e a força motriz de tudo.

Foi usando do medo e da violência que se optou a combate dos vilões que, segundo seu julgamento, causam esse mesmo medo e violência.

Mas já pararam para pensar por onde se encontram as pessoas comuns no meio de tudo isso?

Note que, no final das contas, essas pessoas ainda estariam rodeadas pelo convívio do medo e da violência. Seja o medo dos vilões, seja o medo daqueles que tentam combatê-los através das mesmas armas.

A violência é o meio motivador do Batman. Em busca de uma suposta paz, ele acaba contribuindo para a queda da própria cidade em uma espiral de dor e sofrimento onde, aqueles que realmente sofrem, jamais estiveram perto das suas vistas.

Nesse ponto a gente chega naquele momento em que o que mais escutamos é o “tá com pena, leva pra casa”, como se fosse algo bem simples e preto no branco. Ignoram toda uma zona cinza onde tenta-se entender a raiz de tanta violência. Como consequência, temos a eterna guerra contra o crime, colocando toda uma população em constante estado de medo e vigilância.

Afinal de contas, o Batman ignora qualquer instituição porque ele pode ignorar. É bilionário, cheio dos recursos e capaz de espancar criminosos durante a noite e trabalhar em sua empresa durante o dia. Isso gera a falsa sensação de que “se a justiça não resolve, vamos apoiar outras formas de se fazer justiça” ou ainda “os fins justificam os meios”, mas só chegamos onde chegamos por conta da escalada do medo e da violência para justificar o combate ao…medo e violência.

Entende como essa é uma luta sem vencedores? Ou melhor, temos sim vencedores.

São aqueles que se apoiam em discursos cada vez mais radicais, se aproveitando da fragilidade de uma sociedade em crise de segurança e saúde prometendo que, se não podem resolver todos os problemas, ao menos trarão a ordem.

Mesmo que essa ordem seja bem explícita e direta para onde seus esforços serão demandados. E qual seria essa ordem que prometem estabelecer? É a ordem de deixar as coisas como estão, porque eles precisam do caos para gerar a constante promessa de mudança.

Medo, violência e vigilantismo para uma parte da população. E não, essa parte da população não se encontra em nenhum evento de gala em Gotham City.

Por quais becos o Batman, ou aqueles que juram restabelecer a ordem, exerceriam seu vigilantismo? Nos bairros chiques de Gotham ou em suas periferias?

O Batman, como Bruce Wayne, poderia aproveitar todo o dinheiro que gastou com viagens para aprender todas as artes marciais, compra de equipamentos para seu cinto de utilidades, diversos acessórios tecnológicos e inúmeros batmóveis para, não sei, investir seus fundos em saúde e educação?

Poderia apoiar causas sociais, promover o debate sobre a desigualdade social e entender a raiz do que leva uma pessoa ao trilhar o caminho do crime?

Poderia, mas não o fez.

Ou você acredita, mesmo, que ele promoveria a mesma justiça em lugares diferentes da própria cidade? Você se sentiria seguro com a presença de alguém que faz justiçamento de acordo único e exclusivamente com seu ponto de vista? Papel de acusador, juiz e juri.

Batman optou pelo uso da violência e do medo e mal nos damos conta que isso só escala a violência e o medo que afingi a nossa sociedade, fazendo com que ela tenha, cada vez mais, atitudes extremas, por entenderem que o medo e a violência são as únicas maneiras de se ter uma justiça social.

Mas sabe porque, até agora, ele nunca percebeu isso?

Porque, para ele, seu método funciona e faz sentido. Ele quer ser temido pelos vilões e mal se questiona se as pessoas também sentem medo dele. O mesmo medo que ele julga aferir somente em pessoas que fazem o que é errado. Então seria eu um criminoso por temê-lo? Ele sequer deu o trabalho de escuta-las, vítimas diárias da violência urbana.

Na real, ele não se importou com isso.

Superman é um herói. O Homem Aranha é um herói.

O Batman não é o herói que precisamos.

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