“O Caso Richard Jewell” chega para partir corações, mas tudo em nome da justiça

Andressa Faria de Almeida
Revista Subjetiva
Published in
5 min readDec 29, 2019

Não é a primeira vez que Clint Eastwood resolve falar sobre um herói americano injustiçado. A sua última empreitada nessa direção foi com “Sully: O Herói do Rio Hudson”, mas em “O Caso Richard Jewell” ele é ainda mais audacioso, analisando um personagem bastante desconhecido do grande público exposto a uma das provações mais sofridas possíveis: ser acusado de um crime que não apenas não cometeu, mas que na realidade ajudou a amenizar.

O enredo nos apresenta sem rodeios ao protagonista título, um homem bastante gentil e solícito, que se esforça para cumprir bem as suas funções e sonha em ser um agente da lei para proteger as pessoas. De bico em bico ele chega ao serviço de segurança particular do Centennial Park, que funcionava durante as Olimpíadas de Atlanta de 1996 como um centro de eventos e celebrações para atletas, turistas e cidadãos.

Esse era com toda a certeza o local perfeito para uma ação terrorista, que só não foi tão bem-sucedida pela atitude corajosa do próprio Jewell, que procurou ajuda policial assim que encontrou uma mochila debaixo de um banco no parque. Quando as bombas foram identificadas no artefato foi ele que organizou a evacuação do lugar, o que permitiu que houvessem apenas dois óbitos e não dezenas ou centenas após as explosões, como planejava o criminoso.

Se depois desse ato o homem virou uma celebridade não demorou muito para que se tornasse um suspeito. Seu perfil pessoal segundo as investigações se encaixava no de alguém que criaria uma situação dramática para depois tentar resolvê-la e ganhar assim os créditos, o que não era de fato verdade, mas nem o FBI e nem a mídia foram econômicos ou sutis ao acusá-lo e assim virar a sua vida do avesso!

O roteiro de Billy Ray baseado no artigo de 1997 (leia em inglês clicando aqui) da jornalista Marie Brenner é direto, mas muito caprichoso na construção de um cenário preparado para sofrer várias reviravoltas. Vamos conhecendo aos poucos os personagens que mudaram os rumos da história (e que foram igualmente afetados pela mesma), sem pressa ou descuido.

O poder das luzes e das sombras é muitíssimo evocado durante esse desenvolvimento, por um Eastwood que desde “Menina de Ouro” não abraçava esse recurso de forma tão constante e tão poderosa. Aqui feixes de claridade e escuridão se mesclam quando sentimentos conflituosos e dúvidas sobre o caráter tomam os agentes do enredo, assim como o breu quase total e a claridade extrema vem para oprimir todos os envolvidos, não para trazer qualquer tipo de conforto ou sossego.

A música também é um elemento de peso no longa, que ganha mais potência e mais força com faixas famosas da época (como “Macarena”, por exemplo) e com a trilha incidental de Arturo Sandoval, que tem um quê incontestável de drama que torna ainda mais complexa a missão de acompanhar às injustiças sofridas por Jewell e por sua mãe sem sair da sala de cinema completamente abalado.

Falando neles, o acerto nas escolhas de seus intérpretes é inquestionável e não é por acaso que suas performances vêm sendo profundamente elogiadas. Paul Walter Hauser não só se parece fisicamente com Richard Jewell, mas internaliza os seus movimentos mais simples e toda a sua emoção, quase sempre bastante contida em palavras, mas expressa dolorosamente em seu rosto grande e triste.

Da mesma forma, Kathy Bates conquista o espectador mais endurecido com uma atuação econômica, mas ainda pulsante de uma mãe que não sabe mais o que fazer para manter seu filho protegido, e é muito difícil não sofrer quando a vemos desmoronar após constantes tentativas de se manter de pé.

O trabalho de Sam Rockwell como o advogado Watson Bryant também é de enorme valor para a manutenção da narrativa. É a relação estabelecida entre ele e Jewell que conduz toda a trama desde o seu começo, e os momentos em que eles se apoiam e se ajudam são ternos e tocantes ao extremo, sem nunca perder a verossimilhança, entretanto.

Os trabalhos competentes de Olivia Wilde e Jon Hamm como figuras que personificam mídia e governo são igualmente necessários aqui, e não é por acaso que seus personagens soam tão caricatos à primeira vista. Se inicialmente essa percepção pode levar o espectador a crer em uma falha de roteiro ou de direção logo ela se explica muito bem, inclusive.

A ideia é justamente comparar o espectro negativo desses dois à inocência do protagonista e aos esforços de seu entorno em blindá-lo, da mesma maneira que a relação carinhosa entre Frankie Dunn e Maggie Fitzgerald era absolutamente oposta ao tratamento dado a boxeadora por sua família de origem.

Histórias bem diferentes, mas trabalhadas por um mesmo diretor que acredita piamente no poder dos contrastes (não só na fotografia, vale ressaltar) para nos mostrar mais da natureza humana e para fazer justiça através da sétima arte.

Não dá para negar que seus métodos seguem funcionando maravilhosamente bem, e “O Caso Richard Jewell” é uma dessas obras que sem dificuldade vai partir seu coração e se manter cravada na sua alma por bastante tempo. Impossível assistir e não se emocionar!

Nota: 9,5

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