O conservadorismo é a nova contra cultura ou a juventude que (não) se rebelou

Ou porque Joseph Paul Watson está certo e ao mesmo tempo, como sempre, está errado.

André Arrais
Revista Subjetiva
10 min readMar 19, 2020

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Eu tenho uma confissão a fazer mesmo que ao risco que talvez minha carteirinha de esquerdista seja revogada pela militância, mas estar na internet é estar sob o risco de ser cancelado ao melhor estilo Black Mirror, porém a verdade é que: Consumo conteúdo da alt-right ou como aqui em terras bolsonaristas é conhecido, conteúdo da direita, em um regime quase obsceno. Não só para mérito de estudo e conhecimento do que estão falando, de como estão se comunicando mas das teses que estão sendo construídas, todavia, se há uma frase que ouvi algum tempo atrás é que, toda teoria velha no exterior vem morrer no Brasil e se tem teorias sendo exportadas, são do dito “jornal” Info Wars.

O “jornal” Info Wars feito pelo “jornalista” Alex Jones, cujo grande furo inclui que flúor fazia os sapos homossexuais, tem um sidekick inglês e esse sidekick é quem eu gosto, que se trata do outro “jornalista” Joseph Paul Watson, ou JPW para os íntimos, como eu, que tem uma certa fascinação pela capacidade dele de mentir na sua cara, propagar teorias da conspiração e alimentar todo tipo de ódio contra minorias com a cara limpa, mas com sotaque inglês.

Divulgação: Israellycool

É quase a versão hetero top do Milo Yiannopoulos, sabe? Aquele cara que atacou a Leslie Jones.

Dado esse argumento, entra aqui o motivo pelo qual ele me fascina em particular: Sua capacidade de relembrar a mim e a qualquer garoto de 12 a 14 anos de idade. Aquela época onde tudo que remete a garotas é péssimo, você gosta de rock (System of a Down ou Slipknot, pode escolher, mas se for Limp Bizkit, não podemos ser amigos) é a melhor banda do mundo e o sistema é o podre. Que sistema? Como ele funciona? Quem faz esse sistema funcionar? Como esse sistema opera de forma tão eficiente ou melhor, por que esse sistema funciona tão eficiente por justamente não funcionar? Não importa, você está constantemente puto. Você está puto e todas essas coisas são como armas apontadas na cara de diversas coisas, mas principalmente, na cara do dito “sistema”.

E veja bem, raiva é bom, raiva faz com que coisas sejam feitas, só não quer dizer que coisas boas sejam feitas, os anos 2010 estão aí para provar isso. Eu mesmo inevitavelmente fui um adolescente revoltado. A diferença do adulto puto e do adolescente puto, idealmente, seria que o adulto puto teria o conhecimento do que é o “sistema” que ele odeia, um conhecimento real do qual o adolescente não tem ainda. Ele apenas sente que algo está errado. Em ambos estão certos, mas o adolescente está mais propenso ao erro justamente pela falta do conhecimento que mesmo que lhe fosse ensinada e mostrada como a salsicha é feita, a real extensão é muito mais complexa.

Não, não estou dizendo que não exista adulto sendo burro, é o que mais tem. Todavia, adolescentes ainda tem a excludente de ser jovem e não ter as ferramentas necessárias para fazer esse discernimento, enquanto o adulto até pode ter, entretanto, as chances de ser cínico é infinitamente maior nele do que no jovem.

Passado isso, resta dizer que em um vídeo para o seu canal o “jornalista” Joseph Paul Watson joga a seguinte tese: “O conservadorismo é a nova contracultura”.

Para isso, ele argumenta que, com a ascensão da direita (mas os globalistas marxistas não controlam tudo?) a “mídia” — essa entidade onipresente e onipotente — se voltou mais e mais para a esquerda, alternando o equilíbrio anterior, onde a esquerda era intrinsecamente a contracultura devido ao fator da direita estar no poder — mas não era os globalistas marxistas? Uma geração inteira cresceu não sabendo o que era uma direita no poder ou ter algum domínio na “guerra cultura”, ou seja, desde então, a minha geração e anteriores, só sabiam o que era ser alimentado pela cultura esquerdista. Está ficando contraditório, não? Mas a tese é essa. Só estou repassando o vídeo.

Divulgação: OddGarfield (DeviantArt)

Ele conclui dizendo: Você não pode ser a cultura dominante (mas ele não tinha associado cultura com poder político?) e ser a contracultura ao mesmo tempo, logo, a direita é a nova contracultura. Deal with it. Desce os óculos.

Existem mais argumentos que ele constrói ao redor dessa premissa, de jovens sendo mais conservadores. Todavia, apesar da notória contrariedade do meu querido “jornalista”, ele está certo quando levanta essa bandeira e faz essa proclamação.

E ao mesmíssimo tempo, ele está como sempre esteve, errado.

Quando Joseph afirma isso, ele acerta algo que define o conceito da contracultura: A revolta contra o sistema e contra o que é imposto. Usando o Brasil como exemplo e me colocando no centro, como nascido nos anos 90, não há na minha memória um dia sequer de um governo conservador. Minha formação como adolescente e agente político foi justamente no ano mais crucial da história recente do país, em 2013.

Não tenho a pretensão de dizer de tentar dizer o que aconteceu em 2013. Pessoas mais capacitadas do que eu já escreveram e escrevem teses e teses explicando o que houve. Para uns, foi um movimento horizontal que a presidente Dilma não soube ouvir, para outros, um movimento desorganizado que foi cooptado pela direita.

Mas o que sei o que aconteceu em 2013 é que, nessa erupção, vários conterrâneos meus também fizeram sua transição. Pautas como feminismo, LGBTQ+ e movimento negro não passavam na nossas cabeças, para logo, estourar a porta e entrar um bando de pessoas estranhas, dizendo que estávamos errados (que ultraje!), que nossas falas eram machistas, homofóbicas e a lista segue, que nascemos errado por ser branco (!!!) e hétero (!!!!).

Essas pautas alcançaram voos mais altos e a palavra da vez era diversidade. Politicamente a fase do bem estar social começava a desmoronar sob nossos pés e a crise de 2008 começava a mostrar suas reais consequências. A marolinha do Lula chegou aqui como um furacão e varreu todos nós assim que a crise estourou e a Lava Jato começou a pilhar corpos.

Portanto, éramos jovens, em país que nunca passou pelo processo inteiro de cura e memória da ditadura militar, que nunca estimou um pensamento crítico de fato e preservou nosso alfabetismo político enquanto crescemos sob as benesses do governo PT, protegidos pelo bem estar social, mas com o pensamento conservador cristalino, estávamos naturalmente putos, com celulares na mão graças as medidas econômicas do governo e um país quase inteiro conectado na Internet, para surgir um bando de gente dizendo que estávamos errados.

Some isso a cultura do meme, o apelo maior da diversidade na cultura de consumo e um deputado aí, que antes ninguém ouvirá dizer, mas agora começava a ficar conhecido pelas suas fases “polêmicas” e seu jeito “irreverente”, sua forma de “destruir seus inimigos” e de fazer “feminista calar a boca”. Está vendo para onde estou indo?

Mas não é somente isso. A contracultura traz consigo a marginalidade, o conceito do descolado, do grupo. Ser um punk no governo Thatcher era o ápice do ser descolado.

E esse é o branding do MBL.

O MBL é o melhor exemplo do porque ser conservador é ser cool, basta olhar para seus quadros principais. Arthur do “Mamãe Falei” e Kim Kataguri.

Não adianta demonstrar e apontar que as grandes “tiradas” destes dois são montadas, que o Kim Kataguri sabe tanto de Karl Marx quanto eu sei de neurocirurgia. Eles são cool. Ser do MBL é ser cool, ser parte da comunidade é ser cool. Eles têm os memes, ele tem as gracinhas, eles não são pessoas sérias, eles fazem políticas de forma moleque. A zueira não tem limites. Em reportagem do BuzzFeed News de 2017, o jornalista Severino Motta foi no congresso do MBL e atestou, mesmo com ingressos pagos e subindo, pessoas apareceram, e em outra reportagem, o curso de formação política do MBL nada mais é do que uma festa. É uma grande comemoração, a Comic Con da direita onde a regra de ouro é soltar seus memes prediletos, ainda tendo de fato aulas sobre o método do MBL de argumento, que nada mais passa do que um tutorial sobre como ridicularizar seu inimigo.

Mas é nesse curso de formação política do MBL que eles também aderem a teoria do Joseph Paul. Eles são os punks, eles são subversivos em meramente ser conservadores. Se eu tivesse novamente 12 anos, não duvido que talvez tivesse abandonado meus princípios liberais da época e abraçado o conservadorismo. Esses caras sim são descolados, falam coisas provocadores, são avant garde, são provocadores natos e estão indo contra o status quo, contra a cultura vigente.

Divulgação: Congresso em Foco

Mas eis onde, para variar, eles não sabem ou mentem: Para ser a contracultura, exigiria uma normalização dos ideários de esquerda. Eles não são os marginais trazendo a revolução, eles são o agravamento do que sempre foi a norma. O que eles têm, não é a contracultura, mas a sensação que são a contracultura. Subversão, que por baixo disso, se encontra a dita “opressão”.

Quando Paul traz o movimento cristão censurando os Sex Pistols de tocar e comparar com universitários fazendo movimentos para impedir conservadores de discursar, ele faz uma falsa equivalência.

Os Sex Pistols nunca tiveram plataforma e relevância política para os ideários que carregavam, diferente do movimento cristão na Inglaterra que ainda continua em vigência e atuante.

Assim como o MBL, nem a esquerda mais tímida consegue ter a plataforma e o destaque a mídia deu para eles, se não para eles, seus ideários. No meu estado, a coligação AceleraSP composto de PSDB, DEM, PSD, PRP, PP E PTC elegeu Dória (PSDB) para governador, Major Olímpio (PSL) e Mara Gabrili (PSDB) para senadores, e na lista dos cinco deputados federais mais votados, Kim Kataguri (DEM) foi um dos mais votados, para fechar, Janaína Paschoal (PSL) e Arthur “Mamãe Falei” Moledo do Val (ex-DEM) foram os mais votados como deputados estaduais.

Todos estes tiveram plataformas e atenção da mídia, que abarcaram o conceito neoliberal do Paulo Guedes e estes seguiram. O MBL vai negar até a morte que endossaram o Bolsonaro, mas estiveram com ele na chuva e no sol até onde lhe foi conveniente, e ainda quando se descolaram em um falsa “mea culpa’’ estes ainda continuam empregando a mesma tática argumentativa e envolto da mesma ideologia. Os apolíticos que não tinham rabo preso com ninguém, que sempre foram financiados pelo DEM, agora tem.

Portanto, o que mora no discurso do conservadorismo ser a nova contracultura não é seu recado explícito, mas o que está sendo implicado: Que ideários esquerdistas estavam sendo impostos.

E a pergunta que mora aqui é: Onde, quando e como?

Afirmar que a esquerda dominou a cultura é muito ampla, mas Paul Joseph Watson usa o exemplo da música, trazendo a época inicial da carreira do Eminem quando ele ainda cantava como Slim Shady, e isso quer dizer letras agressivamente misóginas, machistas e lista que segue, mas agora sua provocação maior é chamar Donald Trump de “bitch”.

Como nunca fui um grande chegado no Eminem, podemos usar outro exemplo melhor: Filmes de herói. Todo mundo adora esse junk food e está íntimo o suficiente.

Pegando uma lista já desatualizada de todos os filmes de heróis lançados, existem de 157 filmes lançados, apenas 11 filmes protagonizados por mulheres, 8 filmes protagonizados por somente negros e até onde posso imaginar, nenhum outro com protagonista asiático, LGTQ+ e/ou afins. Também não inclui filmes de grupo, porque minorias ali não são destaques. Portanto, são 138 filmes protagonizados por homens, brancos e héteros, logo, 81% de todos os filmes de super heróis já feitos são protagonizados ou tem destaque para homens, brancos e hétero. E a lista começa com Superman e os Homens-Toupeira de 1951.

O primeiro filme protagonizado por uma mulher foi Mulher-Maravilha, em 1974 e só depois de 10 anos, Supergirl foi feito. O primeiro filme de super herói protagonizado por um negro? Blankman — Um Super-Herói Atrapalhado.

A discussão da pauta de representatividade e diversidade somente surgiu nos anos 2000/2010 quando este “gênero” em si se tornou popular e altamente lucrativo, justamente porque mais pessoas queriam se ver em heróis, não somente uma parcela que sempre se viu. Então, reduzindo a lista, vamos contar a partir de 2008, pois foi quando o primeiro Homem de Ferro foi lançado. Quatro filmes de heroína, se contarmos Homem Formiga e Vespa e Aves de Rapina já lançou quando esse artigo foi escrito, Viúva Negra e Mulher Maravilha 1984 ainda não, dois de herói negro contando com Into the Spiderverse.

São dezenove em cento cinquenta e sete, seis em trinta e oito a partir de 2008.

Esse é um pequeno microcosmo que exemplifica o macro. Nunca houve um movimento cultural de esquerda baseado nas pautas atuais, porque as pautas que são discutidas hoje só ganharam tração a partir dos anos 2010. Antes disso, só discutia feminismo quem conhecia Simone de Beauvoir.

Mais uma vez voltamos a sensação — e somente isto, sensação — de que ele está perdendo espaço. Mas sensação é para os que compram a narrativa, pois quem está vendendo, não é uma questão de realidade ou de encarar esses fatos, nem precisa esconder eles, somente vender a estética. A estética do revolucionário, a estética do subversivo. Tudo que você gostava na esquerda, mas sem perder a essência fascistoide neoliberal.

Divulgação: MBL

A direita continua vencendo no reino na estética, dos signos, justamente porque a esquerda não consegue mais ser os punks da Thatcher. E enquanto estamos preocupados demais vendo quem é mais esquerdista entre nós mesmos, eles continuam arrebatando os dissidentes, os iniciados e os perdidos. Os punks da Thatcher tinham e o MBL tem, além da estética algo que a esquerda brasileira, de comunistas a centro esquerda não tem: Comunidade. Enquanto estamos preocupados tentando falar pelos índios no caso de cancelar ou não a Alessandra Negrini, do golpe militar do Bolsonaro que nunca vai vir porque o perigo mora na insurreição das milicias no Ceará, eles são os Cavaleiros Templários. A direita “é” a contracultura, até quando a esquerda permitir que ela seja.

Não tem uma data fim a vista. Estamos perdendo no campo da estética, da comunicação e da comunidade, enquanto esses três estiverem em falta no campo do progressivo, seja ele qual for, o conservadorismo vai continuar sendo “contracultura”.

28/09/20: Devido ao fato de que Johnny Rotten, vocalista do Sex Pistols, sinalizar apoio ao Donald Trump, peço encarecidamente que troquem a referida banda pelo The Clash ou, se preferem uma figura brasileira, os Ratos de Porão.

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André Arrais
Revista Subjetiva

Graduado em Direito, escritor e invariavelmente cansado.