O dia da paciência negra

Nassor Oliveira
Revista Subjetiva
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3 min readNov 19, 2019
“Suportar é a lei da nossa raça” (Fonte:Exibição Globo Filmes)

É recorrente nas discussões em torno do mês e do dia da consciência negra um retorno ao passado, justificando o que deveria ser mais que óbvio: A necessidade de uma data que demarcasse um período onde as questões da população negra, sua história e desafios fossem refletidas por todos os setores da sociedade, para assim pautarmos um horizonte mais igualitário. Não é o que acontece. Todo dia 20 de novembro é necessário justificar novamente a necessidade dessa data, o que ilustra muito a forma como não só a sociedade, mas como o próprio setor progressista tem dificuldade de assimilar essas questões.

Decidi ilustrar esse texto com imagens de um dos filmes brasileiros que ilustra de forma mais próxima a realidade da questão racial no país, quando ainda temos como grande desafio utilizar padrões que dialoguem diretamente com a história brasileira dentro das discussões sobre raça, diante do vício de absorção de parâmetros estadunidenses, onde a proporção, as condições de vida, e a dinâmica da tensão racial se deram de formas diametralmente diferentes, onde se questionam diferentes métodos históricos de combate ao racismo (Luther x Malcom), quando aqui ainda se nega, pelo mito e fantasma da democracia racial a existência do mesmo.

Me refiro a dia da paciência negra, quando assisto todos os anos sem interrupção negros sendo interrompidos, hostilizados nas poucas áreas onde não são boicotados por uma estrutura que os exclui e acabam recebendo respostas sugerindo uma “civilidade” passiva com que a sociedade nunca os leu, como no recente caso do jogador Taison (não primeiro, nem infelizmente último caso de racismo no esporte)

Taison responde a torcedores racistas que o insultavam no clássico ucraniano. OLEKSANDR OSIPOV (REUTERS)
Fonte: Twitter @ tiagomendonca

Essa é uma das reações emblemáticas da forma como se encara a problemática racial no país: Negros e negras são silenciados diariamente, violentados pelas inúmeras desigualdades que de forma absoluta atingem em maior proporção sua população, e recebem constantemente lições sobre como deveriam reagir, até diante dos atos mais explícitos de racismo, de brancos, que quando não estão do lado dos que oprimem, podem ainda assim adotar a postura equivocada de não deixar que os negros sejam protagonistas da forma como sentem necessário reagir a ele.

É o dia de mostrar o óbvio para setores de uma esquerda que insiste em falar que precisamos pensar em classe antes de pensar em raça, quando é impossível falar de desigualdade, classe popular, opressão sem falar em racismo e negritude, e que priorizar essa pauta não é dividir militância, é agir estrategicamente e pontualmente para solucionar um problema que não pode ser resolvido se abordado de forma genérica.

É necessário encarar de frente a responsabilidade histórica do Estado Brasileiro diante da população negra, para que não seja encarada como culpa a reparação das cotas raciais, mas apenas como justiça, o que parece utopia num país que elegeu um presidente que “não admitiria ser operado por um cotista” , e que acredita que a responsabilidade pelo tráfico massivo de escravizados negros é dos próprios negros, declarações sancionadas pelo voto de mais de 50 milhões de brasileiros.

A paciência tem limites, e resistir não só nesse mês do ano nunca foi opcional, é questão de sobrevivência e mais absurdo do que a existência de um passado nefasto é a negação do mesmo, que acaba por reproduzir suas mazelas indefinidamente. É necessário aceitar que não aceitamos mais os papéis da senzala ou de alívio cômico para histórias protagonizadas pela branquitude, é necessário para toda a população a adoção de uma postura antirracista, para que olhemos com consciência para o futuro, e não percamos o que já conquistamos.

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Nassor Oliveira
Revista Subjetiva

Cientista Político I Colaborador na Revista Subjetiva e Editor na Revista Marginália. Instagram: @nassoroliveira