O feminismo subentendido de Capitã Marvel que aterroriza os homens nerds

Grazie S
Revista Subjetiva
Published in
7 min readMar 12, 2019
Reprodução: Twitter

Capitã Marvel é o 21° capítulo dentro do Universo Cinematográfico da Marvel. Estreou na bilheteria mundial nos três primeiros dias com 455 milhões de dólares, sendo a segunda maior estréia de um filme de super herói, ficando atrás apenas de Vingadores: Guerra Infinita, já que por 5 milhões de dólares bateu os números de Pantera Negra. Até o momento em que escrevi esse texto, é a 5° maior estréia do mundo e ainda sim, vem sofrendo críticas pesadíssimas desde muito antes de seu lançamento.

Nem podemos datar essas críticas de acordo com o lançamento do primeiro trailer. Capitã Marvel vem sendo desqualificado dentro da comunidade nerd e fãs do MCU desde seu anúncio. E mais ainda, desde o anúncio de Brie Larson para viver Carol Danvers. Críticas que vão desde a falta de talento da atriz para atuar, suas expressões faciais fechadas e sua falta de atributos físicos, tornaram Brie um incômodo a ponto de ter sua estréia como heroína ameaçada de boicote por um único e simples motivo: ela é declaradamente feminista. Uma reportagem anda circulando pela internet com o título de "Quem lacra não lucra" e o autor - devemos destacar que é um homem branco e provavelmente hétero cisgênero - usa o texto para relatar de que forma Capitã Marvel levaria a Marvel a ruína graças ao seu feminismo forçado. Detalhe: o autor chegou a essa conclusão utilizando apenas o trailer como embasamento.

Perto do lançamento, Capitã Marvel voltou a ser alvo de críticas, chegando a receber o mesmo tratamento que Pantera Negra recebeu antes de sua estréia: usuários unidos para avaliar mal o filme e assim, descer a nota do longa no Rotten Tomatoes - site mais importante de notas para filmes em geral. Da mesma forma que aconteceu com Pantera Negra, o boicote não funcionou e Capitã Marvel recebeu um índice de 81% de aprovação. Não chega a ser a nota mais baixa do MCU, visto que filmes como Thor e Homem de Ferro 3 tem notas muito mais baixas, já que são filmes duramente criticados pelos fãs da Marvel desde seu lançamento. A única coisa que salvou o Thor da ruína total foi Ragnarok, e ainda sim, foi criticado por ter mudado a essência sombria dos filmes do herói - que não era apreciada de qualquer forma.

Após o lançamento de Capitã Marvel, as críticas pareceram ter algum embasamento, mesmo que falho. Os comentários a cerca da atuação de Larson, sua fisionomia corporal, suas expressões fechadas voltaram a tona, juntamente com críticas ao enredo do filme, desenvolvimento dos personagens e inserção no MCU. Muitos internautas acusaram a Marvel de forçar um discurso feminista explícito no filme - que eu, como mulher feminista, não encontrei. Algumas críticas chegaram a desqualificar o filme inteiro, afirmando que o longa era chato, previsível e pouco estruturado, onde a única coisa que salvava os telespectadores do tédio total era a gatinha Goose. Outra crítica recorrente faz referência a Carol ser muito poderosa, a ponto de ser apelativa. Segundo os internautas, não seria justo existir uma personagem tão forte como ela dentro do MCU sem um vilão a altura - sendo Thanos completamente desqualificado frente a apresentação de Danvers no filme.

Reprodução: Pinterest

Bom, eu gostaria de comentar essas críticas. A maioria delas veio de homens brancos. Nenhuma delas realmente tem fundamento real. Em primeiro lugar, o filme é completamente costurado dentro do MCU. Tendo sido lançado em 2008 ou em 2019, a importância de Carol Danvers dentro desse universo ainda seria a mesma e o roteiro deixou isso bem claro. Ela pode não ser conhecida como a primeira vingadora, já que quem carrega esse título é o Capitão América, mas foi graças a ela que Nick Fury deu a iniciativa Vingadores o nome que conhecemos hoje, apresentada pela primeira vez ainda na trilogia do Homem de Ferro. O filme tem personagens bem estruturados - desde a própria Carol, passando por Fury e Coulson e chegando até Ronan, o Acusador - todos são contextualizados dentro da narrativa e dentro do MCU. Não existem peças soltas ou personagens adicionais para preencher um vazio: todos estão lá porque deveriam estar.

Carol Danvers é sim a personagem mais forte do MCU. Mas isso não é privilégio do filme, visto que é necessário ler apenas um quadrinho da heroína para saber que ela também é extremamente poderosa por lá. As críticas caem em cima dela porque Thanos não seria forte o suficiente para ser uma ameaça para ela. Para isso eu digo apenas uma coisa: azar o dele. Se Carol tivesse seus poderes limitados, como aconteceu com Wanda em sua apresentação em Vingadores: Era de Ultron, ela também seria duramente criticada por não estar sendo fiel aos quadrinhos. Mas vocês vêem alguma crítica ao Tony Stark de Robert Downey Jr, sendo que o personagem dele é completamente diferente daquele apresentado nas HQs? Eu nunca vi. É um privilégio dos personagens masculinos não serem criticados?

Eu não quero me ater as críticas voltadas ao desempenho de Brie Larson como atriz ou as críticas sobre sua falta de sorrisos em cena ou sua aparência física. Ela ganhou um Oscar e os poderes de Carol Danvers não vem de um bumbum arrebitado, fim da história.

"Marvel forçou um feminismo onde não tinha espaço". Bom, me mostre onde. Eu procurei pelo feminismo descarado que vi muita gente apontado e não encontrei. Encontrei o filme que a Marvel vendeu nos trailers - de uma personagem extremamente poderosa, que iria descobrir sua força e lutar pelo que acreditava ser certo. Existe sim empoderamento e poder feminino dentro de Capitã Marvel. Mas ele não vem dentro de um discurso feminista explícito. Ele vem nos pequenos detalhes, assim como surge para a maioria das mulheres comuns. A princípio temos Carol confusa sobre sua origem e isso é completamente aceitável. Ela teve suas memórias retiradas em um planeta do qual ela não fazia parte. Qualquer pessoa ficaria confusa com isso.

E então temos ela abraçando bandeiras que não eram dela. Lutar contra os Skrulls era um problema para a raça Kree e mesmo assim, Carol seguiu fiel até descobrir que as intenções Krees não eram iguais as que ela acreditava. E qualquer pessoa com o mínimo de caráter teria feito o mesmo que ela. E com uma cena incrível de autoconhecimento e crença em seu próprio poder, Danvers assume a plenitude de seus poderes, após ser desqualificada pela equipe Kree da qual fizera parte e pela inteligência do planeta Hala. Ela encontra motivação dentro de si mesma para se libertar das amarras que a prendiam, se empoderar e lutar pelo certo. Qual a diferença desta atitude para Stark fechando sua indústria de armas e assumindo o traje do Homem de Ferro?

Reprodução: Pinterest

Não existe um discurso feminista claro dentro de Capitã Marvel. O que existe é uma personagem manipulada por um homem, obrigada a reprimir seus poderes pela sociedade, sendo enganada e mantida em silêncio pelo medo. Uma personagem subestimada e estereotipada por não saber controlar suas emoções. O que existe é uma mulher como a maioria de nós. E então essa mulher se descobre mais forte do que pensava ser. Essa mulher se reconhece como uma pessoa - tente assistir a cena em que Maria Rambeau lembra de quem Carol era antes de ir para Hala e falhe em não se emocionar - e encontra poder dentro de si para lutar pelo que acredita. Essa mulher, após novamente ser desqualificada e subestimada, se empodera e se rebela contra aqueles que afirmavam querer apenas seu bem e a estavam aprisionando. Carol Danvers é a representação de uma mulher comum se descobrindo poderosa. É um feminismo subentendido - porque é sobre isso que o feminismo fala, mulheres se empoderando e lutando por si mesmas e pelo que acreditam - e isso apavorou os homens dentro da comunidade nerd. Porque esse feminismo é perigoso, principalmente devido a reviravolta do filme. O vilão não era Talos e sim Yon-Rogg, o homem que supostamente "protegia" e ensinava Carol a controlar seus poderes, quando na verdade a estava manipulando e coagindo.

Coincidência com a realidade? Acho que não.

As cenas de empoderamento de Carol são incríveis. Quando ela assume seu poder total e com um pouco de esforço, salva não apenas os Skrulls como destrói a maior parte da força Kree que estava combatendo. Até mesmo Ronan, o Acusador, evita um enfrentamento direto com ela porque a reconhece como mais poderosa do que sua esquadra. Yon-Rogg até tenta, mas falha miseravelmente. Em mais uma cena lindíssima, ele a desafia a lutar com ele sem seus poderes, enquanto afirma que Carol ainda não tem controle emocional para vencê-lo. E ao contrário do que todos esperavam, Carol não aceita as provocações. Usa seu poder para calar a boca dele e ninguém pode julgá-la por isso. Se toda mulher tivesse poderes como Carol Danvers, não sobrariam homens falando merda na face da Terra.

Capitã Marvel não forçou um feminismo lacrador. Mostrou o poder de uma mulher sem envolver discursos. Mostrou que basta acreditar em nós mesmas para que possamos nos empoderar. Mostrou tanta empatia, sororidade e empoderamento do que uma leitura de Simone de Beauvoir poderia trazer. E isso apavora um homem, porque o maior empoderamento de uma mulher vem subentendido. Quando descobrimos nosso valor. A Marvel não vendeu feminismo em Capitã Marvel. Vendeu poder feminino e foi isso que ela mostrou.

E é isso que apavora esses homens. Mulheres poderosas.

E enquanto eles se doem e reclamam, estamos sendo representadas dentro do MCU com maestria. Capitã Marvel é empoderador, forte e inspirador. Somos as heroínas mais fortes do mundo, na tela do cinema e fora dela.

A revolução é e sempre será feminina.

--

--