O fim do Ciência sem Fronteiras: Uma análise dos dados

Andre Mazzetto
Revista Subjetiva
Published in
7 min readApr 27, 2017

Recentemente o governo federal anunciou o fim do Programa Ciência sem Fronteiras (CsF) para os alunos da graduação. O investimento na pós-graduação com bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado no exterior continua ativo. O fim do CsF foi bastante criticado por uns e comemorado por outros…mas será que ele era tão bom ou tão ruim assim?

Implementado em um período onde a economia andava estável, o CsF sofreu com a crise econômica e a crise política nacional. Na verdade, o Programa já estava agonizando desde 2014, quando não houveram novos editais. Quando foi lançado em 2011 havia a previsão de ofertar mais de 100 mil bolsas em até 2015, mas havia orçamento apenas para 75 mil. Começou meio que na tentativa e erro, sem analisar o perfil do estudante, a questão da fluência da língua e do meio científico.

Analisar os resultados do Programa é complicado. Como sou um cientista, fui atrás daquilo que o cientistas adoram: dados. Encontrei uma fonte oficial no Painel de Controle do CsF. Lá separei apenas os dados referentes à graduação, que foi cancelada. As bolsas de pós-graduação não são uma novidade. Elas já existem há décadas na CAPES e CNPq, bem como em outras agências de fomento em pesquisa.

A intenção aqui é mostrar os dados depois de 5 anos de projeto, analisar os resultados, elencar os pontos fortes e fracos e propor uma possível solução. Nesta análise construí minha opinião sobre o fim do CsF. Como não gosto de criar mistério, aí vai: pra mim foi uma decisão acertada do governo atual. Venha comigo pelos dados que no caminho eu te explico. Se no fim deste texto você não concordar, comenta lá! Há uma grande probabilidade de eu estar errado… Afinal, eu sou um homem casado e homens casados geralmente estão errados.

Vamos então aos dados:

Das 92.880 bolsas concedidas entre 2011 e 2016, 79% (73.353) foram destinadas aos alunos de graduação. Ao todo, os gastos com o programa foram entre R$ 12 a 15 bilhões nesse período. Como foi então a distribuição de bolsas por região e estado?

NI: não identificado…o que eu acho um absurdo em dados oficiais, mas tudo bem…

Vamos falar a verdade, era algo meio que esperado. A grande maioria de bolsas está nas regiões Sul e Sudeste (70%), as mais ricas do país, e nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. O critério de seleção do CsF (pode ser que até meio sem querer) privilegiava os acadêmicos destas regiões. Eles estavam mais preparados para sair do país. Isso complica um dos principais argumentos dos defensores do CsF: dar uma oportunidade a acadêmicos de todo o Brasil, especialmente com baixa renda, em Universidades no exterior. Os dados mostram que os estados mais ricos foram beneficiados. Claro que houve a distribuição de bolsas para os outros Estados, mas a quantidade é (ridiculamente) menor. Quais foram então as principais Universidades a receberem as bolsas?

De novo, você já esperava por isso… Fale a verdade. Entre as seis maiores beneficiárias, a única que escapa do eixo Sul-Sudeste é a UnB, que está em Brasília, umas das capitais com maior custo de vida. Estas Universidades também estão entre as mais famosas do Brasil e tem o vestibular mais concorrido. Geralmente os alunos que ingressam nestas Universidades são aqueles que podem pagar uma escola ou cursinho particular. É claro que há acadêmicos que estudaram em escolas públicas, mas infelizmente eles são a minoria. Há também o programa de cotas, mas ainda são poucos oriundos de baixa renda que tem o privilégio de estudar nestas Universidades.

O CsF privilegiou a elite universitária, dando bolsas a acadêmicos que talvez até poderiam se auto-financiar no exterior. Uma comparação simples mostra a discrepância absurda da concessão de bolsas: só a USP recebeu mais bolsas do que 22 estados brasileiros (incluindo o DF).

Uma das críticas do CsF é que o pessoal ia fazer “turismo sem fronteiras”, principalmente em Portugal. Será que este foi o maior destino para as bolsas?

Cai aqui a lenda que Portugal era o maior destino. Os EUA receberam quase 10 vezes mais acadêmicos que Portugal.

Pontos fortes x Pontos fracos

É claro que muitos alunos aproveitaram a oportunidade de estudar no exterior e tiveram bons resultados. Isso valorizou a formação destes alunos e teve um impacto positivo na vida deles. Alunos de baixa renda que nunca teriam a possibilidade de sair do país também foram beneficiados… Alguns até ganharam prêmios, mas infelizmente são gotas em um oceano de ineficiência e privilégios. Na verdade, não dá nem pra falar que o programa foi ineficiente, pois o governo não pensou em um método de avaliar os alunos que retornaram. É complicado monitorar quase 75 mil bolsas em 5 anos. O programa não teve uma gestão eficiente, tanto do governo quanto das próprias Universidades.

Simplesmente criticar é bastante fácil. Eu tentei achar uma solução para os problemas apresentados. Não sou político, nem gestor, nem tenho experiência em educação pública, mas é algo que sempre esteve no fundo da minha mente e, ao ver estes dados, voltou à superfície.

Prioridades

Você não me pediu um conselho, mas eu vou te dar: o caminho que você seguir na sua vida e as consequências das suas ações dependem das suas prioridades. Isso não é diferente com a Educação brasileira.

O custo médio do aluno do CsF variou de R$ 86 a 120 mil reais por ano. Vamos considerar um valor médio de R$ 100 mil por ano. Ao mesmo tempo, o custo de um aluno do ensino fundamental e médio é R$ 3 mil reais por ano. É uma diferença de mais de 30 vezes! Em 2015, o governo destinou 3,7 bilhões de reais para manter 35 mil bolsistas do CsF. O mesmo valor foi repassado para a merenda escolar de 39 milhões de alunos da Educação Básica no País. A comparação é:

100 mil por ano do CsF x 3 mil por ano do Ensino Fundamental e Médio

bolsa 35 mil acadêmicos do Csf x merenda de 39 milhões de alunos

Estes dados mostram que a prioridade do governo nunca foi a educação básica. Eu não sei de você, mas eu acho que deveria ser.

Precisamos de um “projeto de nação” que não tem nada a ver com partidos políticos, mas sim um compromisso dos políticos eleitos de investir nesta área. Este investimento começa por valorizar o professor e passa por investir em estrutura e tecnologia. Uma educação básica mais forte significa a formação de uma geração com uma formação pública melhor, que chegará na época do vestibular com chances próximas dos outros alunos de escolas particulares. Isso ajudaria a resolver dois problemas a longo prazo: a discrepância do CsF e cotas.

Mas eu ainda não acabei. A maior crítica ao fim do CsF é que isso irá adiar a internacionalização das Universidades brasileiras. De fato isso acontecerá, mas talvez este não seja o momento. A falta de fluência no idioma, principalmente o inglês, limitou muito a seleção dos acadêmicos. Novamente, um investimento a longo prazo na educação básica ajudaria neste ponto. Não adianta internacionalizar se as Universidades e os laboratórios brasileiros não tem verba para realizar pesquisas e acompanhar a evolução da Ciência. Um grande problema era que o CsF estava consumindo recursos destinados à pesquisa. Grandes Universidades e laboratórios, como os da UFRJ, estão agora sem recursos.

Calma lá que a minha proposta não extingue o CsF. Em tempos de crise, investimentos devem ser revistos. Os padrões do CsF seriam revisados: reduzir o programa, financiando menos alunos com graduação completa no exterior. Quem está no meio acadêmico sabe que apenas 6 meses ou 1 ano não é suficiente para uma produção científica sólida e experiência efetiva em uma área.

Mas isso irá privilegiar os acadêmicos que tem possibilidade de pagar um intercâmbio, que estão nas melhores Universidades e nos estados mais ricos.

E não é exatamente isso que o CsF fez nos últimos 5 anos? Esta proposta exige um estudo de caso e projeções econômicas, mas pode funcionar. Com menos bolsas é possível manejar melhor o programa, da seleção até a volta, verificando se os alunos estão realmente correspondendo às expectativas.

A internacionalização seria então reduzida, mas não finalizada. Enquanto isso a educação básica se torna foco, e em 15 ou 20 anos haverá uma geração onde as oportunidades serão mais justas para todas as classes sociais em todos os estados. Neste hiato as Universidades também podem promover ações como ministrar as disciplinas optativas em inglês, fazendo com que os alunos interessados se “forcem” a estudar a lingua com maior dedicação.

Porque isso não acontece? A resposta é simples: eleições ocorrem a cada 4 anos e os resultados do investimento na educação ficarão “invisíveis” por, no mínimo, 10 anos. Se queremos realmente um futuro mais justo e acessível para todos, o investimento na educação básica deve ser o foco. Se o fim do CsF significar um aumento no orçamento da educação básica, eu acho que é uma ação justa.

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Andre Mazzetto
Revista Subjetiva

Biólogo, um cientista que não é movido a café. Entusiasta da Ciência e da Educação. Editor e autor do blog Ciência Descomplicada.