O guarda-chuva

E aquelas coisas que eu não disse

Julia Caramés
Revista Subjetiva
4 min readMar 27, 2019

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Me ajuda aqui com uma coisa. Espera, você já vai saber o que é. Presta atenção nos detalhes e não me interrompa por favor, porque eu posso perder a coragem. Imagina que você é aquele alguém que eu preciso dizer aquelas coisas que eu não disse. Sabe, essas coisas que a gente meio que perdeu o costume de dizer porque são tão difíceis de serem ditas que acabam ficando caladas e engolindo todo o resto?

Essas coisas que eu não sei bem como vão ser ditas e ouvidas e que são as mesmas coisas que se eu não disser agora, talvez não diga nunca mais e tanto eu como você, sentiremos falta delas, porque não permitimos sua existência e lá no fundo, bem lá no fundo, nós dois sabemos que elas existiram de alguma forma, mesmo que em outro plano, ou outra dimensão, mais possível do que essa agora. Não que essa não seja possível, mas você tá acompanhando meu raciocínio?

Eu sei que vai parecer um pouco demais ou que eu tô confundindo as coisas. Sempre dizem isso. Mas olha só. Aliás, senta aqui. Eu te dou um cigarro. Eu sei que essa minha tosse tá de matar e que eu fumo demais. E que eu sou ansiosa demais. E que tudo é demais. Mas tem essa coisa. Essa coisa que eu tô guardando desde que te vi. Desde que você me fez aquela pergunta. Desde quando eu achei que tinha alguma coisa e eu não sei se foi aquela coisa dos nossos corpos se encontrarem bem até demais juntos ou se é porque eu tô projetando. Sim, você é aquela pessoa que eu preciso dizer aquelas coisas e eu me pergunto se foram as coisas que eu via em você ou se eram as coisas que eu queria ver.

Você tinha os olhos tão bonitos que eu achei que tudo bem dessa vez. Porque não eram só os olhos, eu também gostei do seu cabelo. Até mesmo daquele bigode e das costeletas que pareciam recém saídas de um filme dos anos setenta e eu nunca imaginei conhecer alguém assim. Mas aí você me beijou embaixo daquele guarda-chuva e eu te disse que esse era o nome do meu livro. As coisas pareciam se encaixar bem na sua conversa. Pareceu mesmo que a gente se encaixou direito e você também gostou dos meus cortes de cabelo.

Eu pensei que não tinha nada mais a ser dito, mas eu sabia na verdade que apesar de todos os silêncios, haviam mais coisas, aquelas coisas que nem os silêncios conseguem matar. E eu não falaria dessas coisas, se eu não tivesse certeza que você também saberia. Por favor, leve um pouco a sério e não fique olhando para os lados. Eu admiro essa sua leveza, você viveu na superfície enquanto eu fui mais fundo. E é nessa profundidade onde nascem as coisas que a gente nem se dá conta até crescerem e tomarem conta de todo o resto.

E dá medo. Eu sonhei que era você na mesma noite que você perdeu alguém que você gostava e senti medo. Eu senti medo quando acordei na sua casa completamente nua, no sentido figurado e literal da coisa, porque tava fácil ser eu e não dava aquele frio na barriga de parecer patética, apesar de ter alguma certeza de estar sendo patética agora.

Eu senti medo de você não ver em mim o que eu reconheci em você e foi só por isso que eu insisti e agora eu preciso pedir desculpa. Não por ser eu, porque parte desses cigarros e intensidade toda, é também o que eu sou e eu penso que você confundiu isso com tudo o que na verdade não faz parte de mim. Não me leve a mal, não é uma briga e não é isso o que eu quero com você. É só que eu nem defini em qual capítulo eu estava antes de você dizer que não estávamos na mesma página das coisas.

Talvez eu tenha ficado hipnotizada com a cor da sua pele, porque eu não sei se alguém já te disse mas ela brilha. Não, eu não to te elogiando pra deixar tudo mais fácil, é só que eu quis tanto te dizer que até engasguei várias vezes e você até pode querer correr agora ou talvez rir de tudo ou da minha cara mas eu preciso te dizer que eu gostei. Esse gostar do gostar. O gostar que impõe certa bravura de pedir uma chance. Ou uma música. Ou uma dança.

Você me perguntou se eu sabia dançar forró e eu tenho ouvido muito Dominguinhos lembrando disso. Desilusão. Você me trouxe alegria e depois foi embora. É mais ou menos assim a música. E sobre o que eu sinto, que às vezes nem me permito sentir, porque não deu tempo e agora eu pareço louca de novo e eu não quero pedir perdão por isso, ainda que eu meio que já esteja implorando nas entrelinhas. É tudo sobre aquelas coisas que eu não disse.

E o que você não disse mas eu preciso entender. Porque ir além da superfície, não permite esses silêncios que mais parecem um limbo e eu não morri. Eu tô tão viva quanto o que eu sinto aqui. Ontem, hoje e amanhã. Eu precisava tentar te dizer de todas as maneiras. Você entende?

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Julia Caramés
Revista Subjetiva

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