O normal não era o normal

Nathália Coelho
Revista Subjetiva
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2 min readMay 3, 2020

Fichas que caem no meio do caos, algumas eu seguro outras se espalham…

Divulgação/Pixabay

Quando o normal voltar, você sentirá que de normal não havia nada. Já estava pesado, difícil. Já estava na base do ansiolítico, da compulsão alimentar, da insônia, do sedentarismo.⁣

Quando o normal voltar, você vai perceber que tinha enfiado tanta coisa na gaveta abarrotada de passado, de histórias inacabadas, de angústia e rancor mofado.⁣

Quando o normal voltar, você vai tentar mais uma vez se adequar a um trabalho que não conversa com seu coração e mesmo que encha seu bolso, não vai ser suficiente. ⁣

Vai ser complicado fingir e fugir quando o normal voltar. Não vai ter sentido afogar as mágoas na bebida, nem entorpecer a mente momentaneamente para esquecer. ⁣

Quando o normal voltar, talvez você perceba as sutilezas de se relacionar. Quem troca, quem suga. Se você é o sugador. Vai perceber que não adianta forçar convívio sem afinidade nem impor amizade. ⁣

Talvez você compreenda que tem muito e não precise. Que há espaço demais no seu normal. Que há coisas demais, excesso para nada. Às vezes você percebe que a sua correria do dia a dia para produzir seja como a do cachorro atrás do próprio rabo.⁣

Quando o normal voltar, talvez você canse da TV. Das mil opiniões vazias e anime pegar um livro. Vai lembrar que o dia nasce e se põe, mas você só via engarrafamento. ⁣

Capaz que não beba mais a comida, não corra uma maratona nas próprias costas, entenda que é só um, mas precisa de todos. Talvez abra os olhos para o lado, largue de mão conceitos fechados, desça do salto. Nem queira aparecer. ⁣Só ser.

É que o nosso normal era um limite fora do limite. Já era um devaneio. Ilusão. Já não dava mais, não dava. Estava arrastado. Profundamente Desigual. Não era normal despreender uma vida toda pelo poder de ter poder. ⁣

Talvez você acolha o contraditório sem peso do mal ou do negativo. Entenda necessidade da tristeza, da fragilidade e da vulnerabilidade, das emoções. Talvez você assuma a própria e eterna reconstrução. ⁣

Desejo, tanto quanto pra mim, que você ressignifique os próximos capítulos da existência, que não serão fáceis, mas imensamente férteis. Férteis. (Nathália Coelho)⁣

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Nathália Coelho
Revista Subjetiva

Jornalista. Professora. Escritora. Dra em Literatura (UnB). Um monte de coisa, enfim, um tanto de nada… https://www.instagram.com/@_nathaliacoelho