O Passatempo
Sobre entretenimentos emocionais.
Ao abrir a porta, seu gato veio dançar por entre as minhas pernas e me detive em frente a mesa da sua sala.
Um planner de mais de dois metros tomava conta de toda a mesa e estava repleto de rabiscos coloridos. Percebi que se tratavam de horários distribuídos pelos dias da semana.
Você apareceu minutos depois com uma pilha de bloquinhos de notas coloridos e com um canetão entre os dentes.
O gato subiu na mesa de canto ao meu lado e te olhou um pouco preocupado. Após colocar tudo em cima do planner, você respirou fundo e disse:
“Não me olhe assim, estou tentando encontrar oportunidades de me encaixar!”
Por um instante, nada fez sentido.
Mas depois eu olhei aquele planner com mais seriedade e entendi tudo.
No borda superior estava escrito o nome da pessoa que você tanto gosta.
Aquele quadro de horários e dias da semana se tratava de um plano bastante audacioso: encontrar espaços na agenda da dita pessoa e aproveitá-los ao máximo.
Você estudou a rotina do seu parceiro de tal forma que eu fiquei tão intrigado quanto o seu amigo felino.
Achei curioso o fato de você não se importar em ser um passatempo.
Que grande dilema!
Querer participar da vida de alguém que limita o seu espaço.
Se você enviar uma mensagem durante o horário comercial (vulgo 8h às 18h), a chance de resposta é mínima. Se o contato vier a partir das 22h30, é tarde demais e o mesmo se aplica se a tentativa ocorrer lá pelas 6h… mas convenhamos, quem em sã consciência tentaria isso?
Ah! É mesmo… você.
Planner. Agenda. Dados cruzados. Muita análise e pouco tempo.
Que pessoa concorrida, porém, basta a mensagem dela chegar para “tudo ficar bem”… e assim você mal acostuma alguém a te tratar como uma distração.
Antes que os defensores ferrenhos da dita pessoa concorrida surjam com paus e pedras, já adianto que o problema não se encontra em seu trabalho exaustivo ou nas outras dezenas de demandas da vida adulta, o ponto central aqui é um substantivo que dita as regras do jogo.
A Prioridade (com o P maiúsculo mesmo).
A dádiva da vida adulta.
A faca de dois gumes.
E, para tê-la, você é capaz de dar cambalhotas e fazer malabares com a sua própria vida.
Jogar tudo pro alto quando a mensagem chega.
Adaptar sua rotina pela atenção de alguém.
E tudo isso é movido pelo gostinho de “quero mais” que fica no ar quando ele te deixa.
Sabe qual é o pior? Vocês nunca falaram sobre isso.
Não há espaço para se aprofundar em detalhes pessoais.
O tempo parece voar, então você “tem” que aproveitá-lo ao máximo.
Qual a diferença entre a sua relação e uma propaganda aleatória que aparece no feed das suas redes sociais?
Fã ou hater?
Sentimento ou entretenimento?
A tal pessoa te escuta ou apenas te ouve?
Rola uma conversa genuína ou é uma troca de respostas?
Carinho, atenção e dedicação viraram produtos e você nem percebeu.
Você não precisa (e nem deve) marcar um horário para compartilhar os seus sentimentos com alguém!
Às vezes cabe a nós terminar os ciclos de dor que se camuflam de relações saudáveis.
Não se trata de dependência emocional, carência ou faltar do que fazer. Você tem o direito de querer passar um tempo com alguém que você admira.
O tempo e atenção que você investe nas suas relações deve ser respeitado e, em hipótese algum, alguém deve colocá-lo dentro de uma caixinha e definir um dia e horário para que ele exista.
Se alguém não está preparado para respeitar o seu tempo, então ela não merece ter acesso a tudo que você tem a oferecer.