O poder do cu

Uma reflexão sobre tabus e o orifício anal, inspirado no filme “Tatuagem”

Victor Hugo Liporage
Revista Subjetiva
4 min readAug 9, 2018

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Imagina a época: liberdade de expressão censurada, constituição rasgada, repressão a arte… — não confuda a data: falo de 1978.

É quando se passa os eventos de Tatuagem, filme que servirá de embasamento às reflexões sobre o cu, e que poderia tranquilamente nomear o artigo.

Por que não nomeia?

Cá pra nós, uma resenha chamada “Tatuagem” te faria me ler? Agora, com “poder do cu” no título, sim, né? É porque a gente adora um tabu.

O tabu costuma ser tudo aquilo que reprovamos em público, mas pesquisamos avidamente no Google quando chegamos em casa.

No filme, artistas do “Chão de Estrelas” — um Moulin Rouge nordestino — fazem teatro e intervenções públicas que debocham do poder e da moral estabelecidos, em plena ditadura. Dentre as apresentações, uma dedicada e el@ (é de gênero não definido, claro), que é tão sensível para a moral social: cu.

Em “Tatuagem”, a sexualidade é o pilar da história, representando um casal transgressor pela ironia de seus papéis sociais. De um lado, o artista gay. Do outro, um soldado se descobrindo sexualmente. Em outras palavras, o cu uniu a ditadura e a arte. E é apenas um de seus vários poderes.

Tem que ter muito cu para viver em tempos de combate ao conservadorismo radical. Bem longe de 1978, época em que se passa o filme, um debutado fala asneira. Dentre suas várias discriminações, a homofobia é uma delas.

No entanto, durante uma entrevista, alguns manifestantes jogaram, frente às câmeras, purpurina no homofóbico. Só lhe restou o sorriso amarelo.

Deputado, o senhor também tem cu. Muitos militares tem cu. Muitos deles o usam para o que você não gosta. Cuidar da vida particular dos outros é perigoso. A volta vem por trás, de onde você menos espera.

Seria o cabaré do Chão de Estrelas e sua ode ao cu uma analogia aos bacanais dionisíacos?

“Em 186 a.C., um decreto do Senado romano proibiu as bacanais em Roma. Mas não foi respeitado. Resquícios da comemoração chegaram até o Brasil. Ainda no século XIX, em Pernambuco, durante a Páscoa, realizava-se uma festa dedicada a Baco, com banquetes, procissão e cânticos. Em 1869, a Igreja conseguiu a proibição do festejo, argumentando que era inadmissível em um país católico.”

Soa familiar? O prazeroso costuma ser proibido com base no argumento “inadmissível em um país católico”. Mas quanto mais proíbem, mais vontade dá. Quanto mais esconde-se o cu, mais se quer explorá-lo.

A maçã do amor não seria tão saborosa, não fosse a mordida cheia de prazer dada por Eva. Que graça teria a Polka do Cu, não fosse todo o mistério que o envolve o bendito oríficio. Quem luta para inibir o cu alheio foram os que lhe deram todo esse poder.

O cu só é minoria oprimida no sentido ideológico, porque se levado em consideração contingente numérico, ele é muito maior. Se o oprimido se revoltar, a revolução não será nem pela esquerda, nem pela direita: mas por trás.

O cu — infelizmente — não é nenhum herói da Marvel ou DC. Certamente seria um fracasso de bilheteria, mas por outro lado, recorde de downloads na internet. Pais jamais levariam seus filhos ao shopping para o ver os poderes do cu em 3D, no entanto, seriam os primeiros a comprar o DVD pirata “só de curiosidade”.

O cu é apenas um dos símbolos de tabus que o ser humano constrói sobre si mesmo. Tatuagem dá o protagonismo àquele que sempre foi coadjuvante de alto nível. Numa apresentação charmosa, coreografia kama sutralmente planejada e versos líricos, a Polka do Cu é uma simbologia para libertação, empoderamento, controvérsia e contemporaneidade.

Com poucos centímetros e apenas duas letras, já gerou discórdia, dor, alívio gastrointestinal, prazer, amor, música, namoro, casamento e cena de filme. Só resta a conclusão de que “a única coisa que nos salva, a única coisa que nos une, a única utopia possível é a utopia do cu.”

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