O que está acontecendo com o General Mourão?
A esquerda sob a tática Good Cop versus Bad Cop
Você provavelmente já deve ter visto em alguma série ou filme a cena seguinte: sala de interrogatório, o investigado senta aflito aguardando por seu questionador, e eis que entra com muita grosseria um “guarda mal”, que aponta o dedo, acusa, recrimina, suspeita de tudo, e estabelece para a relação o medo e o desdém. Logo após que ele abandona a sala, entra uma outra pessoa, branda, solidária, por vezes oferecendo um copo d’água ou uma negociação após uma bela surra dada pelo seu companheiro. O que o acusado muitas vezes não sabe ou confunde é que os dois servem à um mesmo propósito: retirar informações ou concessões do torturado/inquirido.
Toda essa alegoria serve para ilustrar o que pode estar acontecendo no Brasil, que após eleições conturbadíssimas, com direito a pré-candidato líder nas pesquisas preso, candidato líder nas pesquisas esfaqueado, discursos que levaram ao extremo, a polarização e ao ódio, elegeu Jair Bolsonaro como presidente, e que em seu primeiro mês no cargo parece estar ainda em ritmo de campanha ou mandato midiático pautado por declarações polêmicas.
É bem verdade que os holofotes polêmicos hoje se dividem entre o presidente e suas “pérolas” e seus porta-vozes, ministros, com destaque muito grande para Damares, Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que desde que assumiu o cargo ocupa semanalmente o feed de notícias das redes sociais com declarações claramente destemperadas. Durante o período de campanha foram destaque também não só a indicação, mas também as declarações do atual vice-presidente, General Mourão, e que surpreendentemente agora parecem se voltar a agradar setores não tão próximos de sua agenda política.
Desde o dia da posse, o presidente já pautou sua relação com a mídia, que considera sua opositora, questiona estrategicamente para tirar o crédito de toda fonte de informação que não seja claramente sua partidária e torna seus seguidores uma legião quase religiosa que só acredita naquilo que ele diz, por mais absurdo e por mais fatos contrários que sejam. Por outro lado, surge a figura de um vice-presidente simpático, aparentemente mais culto e cordial, sem destemperos, que a cada declaração bombástica do presidente, apresenta um contraponto mais sensato.
Mas será que é só isso mesmo?
A nossa história recente aponta que devemos prestar atenção quando um vice-presidente faz movimentos para separar sua imagem da do mandatário ou quando, como em 2015 com Temer, essa distinção começa a ser feita institucionalmente. Existe a possibilidade de isso ser sinal de uma fragilidade, a ser explorada pela oposição, ou que seja ainda uma alternativa de sustentação no poder, caso as estruturas de legitimidade popular de Bolsonaro e seu clã continuem ruindo.
É ingênuo e perigoso acreditar que Mourão seja radicalmente diferente de Bolsonaro, mas existem diferenças pontuais de perfil e representação que podem representar uma transição para um governo de maior estabilidade em caso de emergência. Mourão faz questão de passar a imagem de moderação, não associada aos exageros de Bolsonaro. O que isso pode representar? Se o cerco da mídia continuar fechando a ponto de sufocar o clã Bolsonaro e sua cúpula de governo, a nova figura de Mourão pode fazer a ponte ou ser o good cop, pra quem a população e a mídia vão conceder a abertura para que a MESMA AGENDA se concretize.
A grande diferença entre Mourão e Bolsonaro está no “como” não no “o quê” ou “porquê”, então a oposição não pode se iludir diante dessa moderação a ponto de baixar a guarda, porque praticamente qualquer coisa parece razoável em comparação ao discurso de Jair Bolsonaro, que faz até Aécio Neves parecer um político do PSOL. Em agosto de 2018, Eduardo Bolsonaro disse à Folha de S. Paulo: “Sempre aconselhei o meu pai: tem que botar um cara faca na caveira pra ser vice. Tem que ser alguém que não compense correr atrás de um impeachment”. Mourão declara a El País que é uma figura “complementar a Bolsonaro”, enquanto nós aplaudimos e fazemos memes.
Ao mesmo tempo que Mourão pode ser uma ameaça ao projeto de poder de Bolsonaro, é uma grande esperança de sustentação no poder do projeto de poder da direita conservadora, porém com uma face menos esquizofrênica, e mais associada ao que nos acostumamos por 21 anos e mais alguns de transição a ver no Brasil, será que isso é bom mesmo ? Há que se ponderar todos os fatores e possibilidades de ação para que não caiamos em ilusão e sucumbamos de males piores que os anteriormente previstos, por falta de precaução.
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