O que eu aprendi com uma quase morte botânica?

Na quarentena, minha maior saudade tem cheiro doce, textura áspera e um verde incabível em quatro paredes

Ana Beatriz Rocha
Revista Subjetiva
3 min readAug 22, 2020

--

Dentre os tantos pensamentos insanos, insights e decisões, a quarentena me trouxe a necessidade latente de cuidar de algo que não meu próprio umbigo, e não racional também, pois nos acostumamos a cair na armadilha do ego de alimentar relações esperando algo em troca. Decidi me tornar uma "mãe" de plantas. Desprendida de qualquer pretensão decoradora de casa e de necessidades alheias.

Morei, em grande parte da vida, nessas caixas suspensas de concreto que chamamos de apartamento. Pouco espaço, sem terra para pisar, sem grama pra deitar e sem um sol escaldante vindo do céu sobre nossas cabeças. Nos últimos anos nem varanda eu tenho, essas novas formulações de construtoras que vão reduzindo os espaços até que não sobre quase nada que nos faça querer desfrutar do próprio lar. Minha mãe nunca foi de cultivo, amante da urbe, contatos com a natureza não lhe fazem tanta falta.

Não é o meu caso. Sempre me senti filha da terra, toda uma vida intinerante entre asfalto e prédios altos, um aperto no peito que só cessa quando não vejo o toque do homem no horizonte. Feliz mesmo, do jeito que a respiração não pesa e o coração palpita de gratidão, eu só me sinto no mato, na praia, nas águas. Relações anscestrais explicam esse acaso.

Por falta de motivação materna e comodismo (confesso) nunca busquei trazer para dentro de casa as paixões verdes que eu cultivava por aí. Até que chegou, o vazio da urbe dilacerou meu coração nos dias distantes pela contaminação. Não havia mais terra, nem mar, nem verde. Apenas as quatro paredes brancas dos tempos pós-modernos, e era pouco demais para que eu pudesse respirar.

Decidi, adotaria minha primeira filha e a cuidaria como uma extensão de mim. Na verdade é o contrário, nós que somos extensões mal formuladas da perfeição natural. E assim trouxe Dinda para minha sala, uma samambaia americana que resolvida chamar pelo nome de uma das mulheres mais importantes da minha vida. Felicidade pura, havia um pedacinho do mundo real comigo agora.

Os dias se passaram e vi Dinda esmorecer. Vi uma folhagem verdinha dá lugar a um marrom desbotado e infeliz. Enlouqueci. Que ancestralidade seria essa que não me tornou apta a cuidar de uma planta? Ela morreria em breve, o que isso diria sobre mim? E em seguida, epifania digna de romance de Lispector.

EU NÃO SOU O CENTRO

Nada é sobre mim. É presunçoso e ridículo achar que a planta deveria sobreviver para provar minha capacidade e conexão com a natureza. Somos presunçosos e mesquinhos, falamos de cuidado com o meio ambiente e argumentamos, na maioria das vezes, que sem eles - NÓS - não sobreviveremos. E sim, é a mais cristalina verdade. Mas não devia ser só por isso, não pode ser apenas por isso.

Somos incapazes de nos desprendermos do ego a ponto de não sabermos cuidar e amar com o fim em si mesmo. Com a saúde sendo o fim, a beleza do outro (nesse caso, da outra) ser o fim. O bem-estar do outro tem que estar sempre relacionado ao que aquilo me trará. Seja paz, conforto, estabilidade ou bem viver. O meu bem viver.

A presença ancestral me fez sentir que minha Dinda só sobreviveria e se manteria bem se eu saísse do centro, se enxergasse as necessidades dela, os gastos que isso poderia ocasionar, o tempo que eu precisaria gastar apenas para deixá-la bem. Minha recompensa será o desfrute, será vê-la crescer saudável e emanando energias positivas pela casa. Energia que remete a vida em comunidade, uma vida que não é só por mim, mas pelos outros seres (racionais ou não). Uma quase morte botânica me ensinou a literalidade do Umbutu.

Gostou do que leu? Compartilhe e interaja com claps, pode ser de 1 a 50. Apoie a escrita independente!

Para mais conteúdos acompanhe o Instagram: @anabeatriz_pr

--

--

Ana Beatriz Rocha
Revista Subjetiva

Jornalista, escritora independente e em eterno flerte com a poesia. Cada fragmento estanca a ânsia por liberdade que há em meu peito.