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O que já aprendi escrevendo cartas de homenagem póstuma

Carolina Damrat
Revista Subjetiva
Published in
3 min readOct 28, 2020

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Desde fevereiro desse ano eu realizo serviços para um cemitério particular de Santo André, São Paulo. Esses serviços são cartas de homenagem póstuma. O pessoal estava procurando escritores e eu me interessei mesmo sem saber ao certo como seria o trabalho. Elaborei um formulário, eles aprovaram e então começamos fazer cartas testes e todas foram bem aceitas, foi aí que o trabalho de fato começou.

Sem fechar um mês de projeto, foi necessário parar devido as mudanças exigidas para a segurança sanitária durante os ritos de velório no auge da pandemia. Vi que estávamos no caminho certo ao assistir o Fantástico e ver que uma organização teve a mesma ideia para homenagear as vítimas do vírus Covid-19 — confesso que no fundinho do peito bateu um medo de parecermos pouco originais pós-pandemia, mas a verdade eu conhecia e tinha que acreditar no projeto. Foram 3 meses de produção praticamente nula até o gradual retorno em julho.

Nesse espaço de tempo e com 111 cartas redigidas, eu já li histórias que me fizeram chorar, já escrevi chorando, já senti tristeza, alegria e amor. Já escrevi sobre pessoas idosas com mais de 80 anos, bebês e crianças, adolescentes e adultos jovens. Sobre pais e mães, filhos e avós, sobre pessoas que saíram do nordeste e foram tentar a sorte na maior capital do país e pessoas que saíram da maior capital do país e foram tentar a sorte no nordeste. Já me estressei com formulários preenchidos de qualquer jeito, já peguei formulários com frases tão pequenas, simples, mas que carregavam um universo em cada sílaba. Já encarei letras desenhas e garranchos rudes. Surtei de verdade apenas uma vez. E já aprendi muito.

Como estudante, tive a oportunidade de aprender na graduação sobre a história da morte e do luto e seus ritos. Aprendi como o processo se desenvolveu e se modificou até chegar aos moldes do que conhecemos hoje no mundo ocidental. Aprendi também sobre a importância da história daqueles esquecidos por ela, pela História “Oficial” — o meu primeiro texto deste blog é sobre isso, inclusive, vale a leitura. Sobre a importância da história do povo, daqueles que nascem, vivem e morrem sem ter seus nomes registrados nos livros das grandes personalidades. Vejo que ao escrever estas cartas, eu Carolina, posso e consigo deixar registrada a história de pessoas fantásticas que partiram deixando um grande legado, infelizmente desconhecido para toda uma nação.

Cada formulário contém a essência daquele ser humano: o seu nome, seu apelido carinhoso, características físicas, local de nascimento, gostos, hobby, time do coração, uma história de amor, suas superações e vitórias na vida. Pela letra de quem preenche eu vejo preocupação, saudades, amor, carinho, dor, impaciência. Pela forma que elaboram as frases das respostas eu sinto intimidade, paixão, respeito, admiração e até mesmo descaso. O formulário inteiro me entrega mais do que quem foi aquela pessoa: ele me mostra quem era ela para mundo que a conhecia.

As cartas de homenagem póstuma são, por muitas vezes, essenciais para o entendimento do luto, da perda e do recomeço. Uma singela homenagem para quem partiu e palavras de conforto para quem aqui continua, mas vejo que estas cartas têm relevante peso e papel para a construção da história “não-oficial”, da história de pessoas reais, do povo brasileiro. Eu aprendi e aprendo todos os dias ao escrever cartas de homenagem póstuma que nossas vidas simples e comuns merecem ser registradas, que os nossos amados que continuam vivos merecem consolo e palavras de força e que toda boa trajetória é digna de uma sincera e bela homenagem.

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Carolina Damrat
Revista Subjetiva

Historiadora, carrego no peito a paixão por ler, escrever e contar histórias — não à toa, trabalho com produção de conteúdo e com textos criativos!