O racismo enraizado que nós fingimos não ter

Já tá mais que na hora de admitir.

Nick Nagari
Revista Subjetiva
3 min readOct 15, 2017

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Uns meses atrás eu tava indo pra um encontro entre pessoas negras na Quinta da Boa Vista, aqui no Rio de Janeiro, e como é um lugar perigoso, estava andando meio alerta, até que paro pra atravessar entre as duas pistas e um cara parou do meu lado. Gelei.

Esse cara não tinha nada de suspeito – estava limpo, vestia uma roupa despojada, tinha um corte de cabelo maneiro… só que ele tinha uma característica que pra muitos já basta para temer: era negro.

Naquele dia o racismo enraizado dentro de mim foi jogado na minha cara do jeito mais claro possível – o menino foi pro mesmo encontro que eu. Inclusive, ele é uma pessoa ótima, e que de maneira nenhuma assume uma postura ameaçadora.

E aí depois disso eu percebi que não dava mais pra achar que o meu (o meu, o seu, o nosso) racismo é justificável. “Ah, sabe como é, Rio de Janeiro, a gente desconfia de todo mundo…”, “ah eu sou mulher, tenho medo de qualquer homem se eu tiver andando numa rua meio deserta”. Não. Não quando são 3h da tarde e a rua tá cheia. Não porque você não desconfiaria de um cara branco com a mesma roupa que ele. Então não, não tem desculpa.

Essa imagem faz parte de um teste tirado do site http://www.contraracismo.pr.gov.br/ em que as duas imagens eram apresentadas para profissionais do RH, e as respostas foram essas escritas na foto. Vale a pena conferir a campanha!

#acessibilidade: a foto acima é uma montagem de duas fotos onde nas duas a cena é a mesma, um homem cis correndo com uma roupa casual. Na primeira, é um homem branco, e está escrito “Tá atrasado”, que foi a resposta que os entrevistados deram para o que provavelmente o cara estava fazendo. Na segunda, é um homem negro, e está escrito “Um ladrão”, que foi a resposta em relação a mesma pergunta.

O que mais me doeu nessa história toda é saber que, em diversas vezes, eu sou esse cara. Eu sou esse cara mesmo que maquiada, com mochila da faculdade, lendo um livro no ônibus. Eu fui esse cara mesmo que com o uniforme de um colégio federal, andando pelo shopping. Eu sou esse cara mesmo que eu esteja cercada de amigos brancos.

Eu sou esse cara quando entro no mercado e os seguranças me seguem “disfarçadamente”. Ou quando vou a uma loja de roupa e as funcionárias simplesmente não me atendem porque não me veem como público. Ou também quando todo dia, ao ir pra faculdade, as pessoas só sentam do meu lado no ônibus quando as outras vagas se esgotam. Ou quando sento do lado de uma senhora de pele branca e o corpo dela trava e fica em alerta. Ou quando sento do lado de um homem cis branco, e percebo que ele tem mais medo de mim do que eu dele.

Eu sou esse cara porque minha pele também é escura, e toda vez que o racismo o discrimina, está discriminando a mim e a todas as outras pessoas negras.

Então assim: já passou da hora de parar de ignorar isso. Admitam seus preconceitos. A gente (sim, a gente, porque eu me incluo nessa) precisa urgentemente reconhecer o nosso racismo internalizado pra, assim, começar a tentar desconstruí-lo.

A sociedade racista incute na nossa cabeça desde sempre que negros são perigosos. É o estereótipo de “pivete”, o negro, pobre, favelado. E é óbvio que isso, por ser corroborado institucionalmente e por ter feito parte da nossa socialização, não vai sumir de um dia pro outro. Mas reconhecer é um bom primeiro passo, porque está, literalmente, nos matando. E isso tem que acabar.

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Nick Nagari
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