O sertanejo ainda é sertão

Entenda através de cinco músicas como um gênero regional se tornou fenômeno de massa em todo o Brasil

Gabriel Caetano
Revista Subjetiva
7 min readMar 29, 2019

--

Tonico e Tinoco, a dupla mais importante da música sertaneja

O sertanejo tomou conta do Brasil e isso é um fato inegável. Nas listas das músicas mais tocadas dos últimos anos, será impossível não encontrar mais de cinco canções do gênero. Há muito material de qualidade duvidosa, artistas que somem para nunca mais voltar e letras cheias de polêmica, de cunho sexual e misoginia. Em contraponto, nunca tantas duplas femininas fizeram sucesso como agora. Velhos artistas do gênero, como Sérgio Reis, não consideram essa nova safra de artistas como sertanejo. Em 2011, logo no início desse boom do sertanejo universitário, Renato Teixeira, o compositor de clássicos como Romaria e Tocando em Frente, já observava como a questão mercadológica influenciava completamente esse novo som, conforme artigo de sua autoria publicado na Folha de São Paulo.

Se é sertanejo ou não, depende do ouvido de cada um, mas há uma coisa muito interessante no momento atual do estilo: o resgate de velhas canções e artistas que fizeram sucesso em outras épocas. Marciano, cantor e compositor falecido recentemente, voltou à ribalta através de Sorocaba, a mente por trás da dupla Fernando & Sorocaba. Com Cabaré, projeto de releituras musicais, Leonardo e Eduardo Costa atingiram a primeira colocação das paradas em 2014 e lotaram casas de show em todo o país.

O sertanejo nunca foi tão pop como na última década. Além desse resgate de músicas antigas, a nova geração deve agradecer muito aos artistas do passado. Até o começo dos anos 80, o horário reservado ao gênero caipira, nomenclatura pejorativa da música do campo, era o das madrugadas. Em rádio FM então, nem pensar. Tudo isso ia mudar com o poder de uma canção, mas, antes disso, alguns artistas pavimentaram o caminho para esse fato ocorrer. Separamos cinco canções para entender a popularização da música sertaneja.

Tonico & Tinoco /Chico Mineiro — Nada na música sertaneja é tão importante como Tonico & Tinoco. Eles são o Elvis do gênero. Venderam cerca de 50 milhões de discos, entre LPs e 78 rpm. João (Tonico) e José Salvador Perez (Tinoco) eram irmãos e nasceram na região de Botucatu, cidade do interior paulista conhecida por suas afluentes do Rio Tietê. Na década de 30 começaram a cantar profissionalmente, logo atraindo a atenção do público e das rádios. Em 1946 se consagram por conta de Chico Mineiro, toada triste inspirada em uma tragédia real. Tonico & Tinoco se apresentaram nas principais rádios brasileiras dos anos 40 e 50. Já na década de 60 estrelaram filmes. Em 1979 se apresentam em um show histórico no Theatro Municipal de São Paulo, fato até então inédito. A dupla continuou até 13 de agosto de 1994, uma data muito triste. Tonico cai da escada de seu apartamento e morre aos 77 anos. Tinoco não desistiria da música e continuaria na ativa até 2012, quando faleceu após participar de uma gravação do programa Viola, Minha Viola, da TV Cultura. Tinha 91 anos de vida e mais de 80 de carreira. Tonico & Tinoco são dois dos maiores marcos da música brasileira e receberam homenagens de artistas do nível de Roberto Carlos. Para se entender a vida do homem do campo, basta ouvir Tonico & Tinoco.

Léo Canhoto & Robertinho/ O Último Julgamento — Hoje mais lembrados pelos bang-bangs que gravaram, Léo Canhoto & Robertinho foram os primeiros artistas que acrescentaram guitarra, bateria e baixo na música sertaneja — influência da Jovem Guarda e também do produtor Tony Campello, um dos primeiros cantores de rock do Brasil. Além disso, eles possuíam cabelos compridos e na capa de seus discos sempre estavam com motocicletas. Na ativa até hoje, são responsáveis por canções poéticas como O Último Julgamento e letras bem humoradas, a exemplo de Vou Tomar um Pingão.

Milionário & José Rico/Estrada da Vida — “As gargantas de ouro do Brasil”. Não há melhor definição para Milionário & José Rico do que o próprio slogan da dupla. O mineiro Romeu Januário de Matos, o Milionário, tinha que encontrar o pernambucano José Alves do Santos, o Zé Rico. Juntos, os dois representam o casamento perfeito de vozes. Em 1973, após trabalharem como pintores, garçons e outras profissões, gravaram o primeiro disco. O sucesso não veio imediatamente, mas começaram a ficar conhecidos no meio. Já em 1977, Zé Rico compõe e grava a canção que seria o hino da dupla: Estrada da Vida. O sucesso foi tão grande, que Nelson Pereira do Santos, o consagrado diretor de Rio, 40 Graus, faz um filme sobre a dupla, o realista Na Estrada da Vida, narrando as aventuras vividas pela dupla até alcançarem o sucesso. Em 1985 se apresentam na China, sendo a primeira dupla sertaneja em solo oriental. Já na década seguinte se separam, mas logo fazem as pazes e voltam a gravar. A parceria vai até 2015, ano em que José Rico morre subitamente. Calava-se uma das mais afinadas e talentosa voz da música brasileira, unanimidade entre apreciadores de moda de viola ou não. Milionário ainda fez um projeto em parceria com Marciano, o prestigiado Lendas. A magia de Milionário & José Rico continua viva nos discos e corações dos fãs da autêntica canção sertaneja.

João Mineiro & Marciano/Se eu não puder te esquecer — No início da década de 1970, o mineiro João Sant’Angelo encontrou com José Marciano, natural de Bauru, interior de São Paulo. Juntos formaram uma dos duos mais icônicos de todos os tempos. Ganhadores de diversos discos de ouro, estouraram nacionalmente nos anos 80, quando gravaram diversas músicas de autoria de Moacyr Franco, na época um artista esquecido pelo público. Sucessos como Seu amor ainda é tudo, Ainda Ontem Chorei de Saudade e Se Eu Não Puder Te Esquecer tocam até hoje nas rádios e são sempre lembradas em casas de karaokê. João Mineiro & Marciano foram tão populares, que chegaram a apresentar um programa na televisão. Em 1993, por razões desconhecidas, acabaram se separando. João Mineiro continuou cantando, mas contando com a parceria de Mariano. Já Marciano virou artista solo. Ambos nunca mais tiveram o sucesso de outrora, mas são um dos mais regravados pelos artistas sertanejos modernos. O motivo da separação jamais será conhecido, afinal, João Mineiro faleceu em 2012 e Marciano nos deixou no início deste ano.

Chitãozinho & Xororó/ Fio de Cabelo Chitãozinho & Xororó já tinham certo nome quando receberam de Darci Rossi, o gerente do banco da General Motors e um dos maiores compositores do gênero,a letra de Fio de Cabelo. Parceria de Darci com Marciano, é a canção sertaneja mais importante dos últimos 50 anos. Foi através dela que o sertanejo chegou às rádios FMs e a consagração popular, chegando a 1,5 milhão de discos vendidos. Escrita em 40 minutos, é a base de todo o esquema do modão sertanejo até hoje. Curiosamente, João Mineiro, parceiro de Marciano, achou a canção muito forte e não quis gravá-la. Foi então que Chitãozinho & Xororó fizeram algumas mudanças rítmicas e transformaram Fio de Cabelo em um verdadeiro hino. Acabaram atraindo a atenção do público, mídia e até de Roberto Carlos, aparecendo no especial do cantor de 1986. O sertanejo virou fenômeno de massa, tomou as capitais do Brasil e até mesmo o mundo — o resto é história.

Menção honrosa — Existem duas canções em especial que explicam todo o sentimento da música sertaneja: Memória Esquecida, feita por José Rico e Campanário, tem uma letra poética que vira um verdadeiro filme na mente do ouvinte. São narrados detalhes da vida no interior e temas de canções populares no gênero, mas também é uma crítica a evolução mercadológica do sertanejo. Outra marcante é Porta do Mundo, escrita por Peão Carreiro e gravada pelo próprio e Zé Paulo, “os diplomatas da música sertaneja”. É uma composição muito especial, pois mostra toda poesia que há no processo de escrever canções. Na minha opinião, é a música sertaneja mais linda de todos os tempos e deve ser sempre lembrada. Apesar de todo o progresso, da estilização e temática repetitiva, o sertanejo de verdade ainda é sertão!

--

--

Gabriel Caetano
Revista Subjetiva

Já fui frentista, troquei óleo de carros, limpei balcões, servi mesas, prestei serviço pra multinacionais e fiz um doc sobre o blues. Agora tô aqui, escrevendo!