Hope McConnell

O Tal do Backup Emocional

A quem você recorre quando o afeto não vem?

Danilo H.
Revista Subjetiva
Published in
3 min readJul 25, 2022

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Acredita-se que esta foi a última carta que K. escreveu antes do seu desaparecimento ser confirmado.

Ele aguardou na fila dos Correios pacientemente e mostrou um grande sorriso para a atendente na hora que sua senha foi chamada no painel.

Então informou que precisava incluir com urgência uma carta alaranjada na caixa postal que se encontrava naquela agência.

De imediato, ele foi informado que a inclusão levaria até 5 dias, porém, um silêncio pairou quando ele colocou uma nota de R$ 100 na bancada e perguntou se o procedimento levaria “tudo isso mesmo”.

Dez minutos mais tarde, a carta foi inserida no pequeno compartimento e o rapaz desapareceu do local feito um fantasma.

Já na rua, ele ligou para número que constava no cartão de visita:
— “Ei, fiz o que você pediu… agora é só esperar!”
— “Perfeito!”

Às 17h, uma mulher elegante entrou na agência, foi direto para a área da caixa postal, inseriu uma pequena chave, retirou seus documentos, franziu o cenho para um dos documentos e saiu sem falar uma palavra.

O olhar misterioso de uma atendente a acompanhou até a saída.

Ela estava no Uber quando abriu aquele envelope excentricamente laranja e começou a ler.

“Para onde você está voltando neste exato momento? Aliás, será que é um “onde” ou um “quem”?

Bem, o Universo bem sabe que essa não é a primeira e nem a última vez que você coloca a mão na maçaneta da porta de emergência e ameaça se deixar para trás em prol de algo ou alguém.

Independente do destino final, só há uma certeza: você não está voltando para onde deveria!

Estamos falando de um dos seus backups emocionais, não é mesmo? Aquele sinal amarelo pairou sobre a sua cabeça como se você fosse um personagem do The Sims e indicou o que você mais temia.

Você apostou tudo na pessoa errada.
Talvez ela tenha sumido ou te dado um gelo.
A admiração se converteu em ódio e depois em desespero.


O amor não veio da fonte que você estava esperando e isso te causou um mal-estar tão grande que você sente vontade de gritar até que seus pulmões implorem por ar.

A tragédia anunciada.

Montaigne escreveu uma vez: “Emprestar-se aos outros, mas entregue-se a si mesmo”, e você nunca esteve tão distante desta máxima.

De todos os lugares do mundo, o que você menos quer estar é ao lado de si mesma.

E daí é que surge esse desejo caótico de se sentir validada, desejada, querida, vista e sentida… para ter tudo isso você é capaz de ir aos confins dessa cidade e experimentar daquilo que, no dia-a-dia, te causa asco.

Eu já vi suas quedas mais acentuadas e sei que dessa vez você terá forças para quebrar esse ciclo.

Um passo longe do que te faz mal é um passo mais perto de si mesma.
Não é assim uma decisão tão difícil de tomar.

E claro… prepare-se para as próximas vezes que isso acontecer, pois se há algo que anda escasso nos dias de hoje é o afeto. Conseguir aquilo que se deseja é um privilégio.

Isso não é uma maldição, é apenas a vida. Maldição talvez seja as migalhas que você almeja devorar nesta gélida noite de outono.

Eu fiz minha parte e cheguei a você antes que o mundo oscile violentamente… agora resta que você escolha a si.

Ainda há pequenas luzes brilhando na escuridão feito vaga-lumes… escolha reluzir ao invés de se apagar (isso sim vale a pena).

Condignamente,
K.

O aplicativo do motorista fez um barulho e na tela mostrava que a rota tinha mudado para um lugar bem longe dali.

— “Posso seguir essa rota?” — Perguntou o motorista com cautela.
— “Sim, por gentileza!” — Disse ela, atônita enquanto admirava as luzes da cidade.

E, pela primeira vez em anos, ela sentiu que o seu próprio abraço era superior a qualquer migalha de afeto.

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Danilo H.
Revista Subjetiva

Aqui eu escrevo sobre desconfortos, alegrias e sobre nós.