O tormentoso primeiro ano de Bolsonaro

Jornalista dá sentido aos fatos que marcaram o governo em 2019

Helton Lucinda Ribeiro
Revista Subjetiva
3 min readMar 6, 2020

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Detalhe da capa do livro Tormenta, de Thaís Oyama (Divulgação)

Segundo a jornalista Thaís Oyama, uma declaração dada à TV Bandeirantes em 1999 pelo então deputado Jair Bolsonaro — de que fecharia o Congresso se fosse eleito presidente e que o Brasil só mudaria com uma guerra civil que fizesse o que a ditadura não fez, isto é, matar pelo menos 30 mil — só não resultou em cassação do mandato porque ninguém se empenhou muito. Bolsonaro foi salvo por sua insignificância.

Oyama escreveu o livro Tormenta — O governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos. O mérito do livro não é propriamente trazer grandes revelações, mas alinhavar e dar algum sentido aos fatos, temperados com conversas de bastidores.

Logo no início, vemos um personagem inseguro, flagrado trêmulo diante de solenidades ou na presença de líderes mundiais. Ao final de um ano, Jair Bolsonaro se apresenta aparentemente mais confiante e, como diz Oyama, com “olhos fixos em 2022”.

Afinal, Bolsonaro sobreviveu ao que foi a crise mais difícil de 2019, em maio, quando houve forte mobilização popular contra o desmonte da Educação. Saiu do enrosco de braços dados com o presidente do STF, Dias Toffoli, que teria confidenciado a um amigo: “Eu salvei a República”.

Mas um governo que tem tudo pra dar errado e, de fato, dá errado, teria condições de cumprir seu ciclo normal de quatro anos, com eventual reeleição?

Lá pelas tantas, a autora reproduz a questão recorrente entre analistas políticos: “é por estratégia ou falta de preparo que Bolsonaro dá declarações estapafúrdias e se mete em situações que parecem prejudiciais ao governo? A pergunta ecoou ao longo de todo o primeiro ano do mandato do ex-capitão” (p. 191).

A resposta mais provável é que Bolsonaro age e reage ao sabor das correntes de opinião nas mídias sociais, monitoradas pelo que ficou conhecido como gabinete do ódio, equipe de jovens assessores da entourage de Carlos Bolsonaro.

O filho 02, aliás, aparece como personagem central, que praticamente mantém o pai refém de chantagens emocionais. Desequilibrado, ele foi o pivô de crises políticas desnecessárias, como as demissões de Gustavo Bebbiano e do general Santos Cruz.

Certos mistérios persistem. Bolsonaro é apresentado como um paranoico que temia ser alvo de atentado quando ainda era um inexpressivo deputado do baixo clero. Como se explica, então, que tenha se exposto em Juiz de Fora, contra as recomendações de seus assessores, para ser esfaqueado por Adélio Bispo?

Outra questão: como pode ter apoio das Forças Armadas quem já foi proibido de entrar em qualquer dependência militar do Rio de Janeiro, por decisão do Comando de Operações Terrestres, em outubro de 1991, sob o argumento de ser “má influência” para os soldados?

Não se espera de Oyama, evidentemente, a solução desses mistérios. Acho difícil, inclusive, que se chegue a um consenso sobre como viemos parar nesse atoleiro político. O único ponto baixo que eu apontaria no livro é a reprodução, sem contraponto, dos argumentos em defesa da reforma da Previdência. A autora conclui que, "sem mudança, o modelo previdenciário inviabiliza o país”.

Inviabilizados já estamos, ao que parece. Jair sobreviveu a 2019, mas 2020 começou com a suspeitíssima morte do capitão Adriano, miliciano várias vezes homenageado por Flávio Bolsonaro, e um desafio explícito à democracia com a convocação, endossada pelo presidente, de manifestações em defesa do fechamento do Congresso.

A questão agora é se nós sobreviveremos.

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