One Punch Man e aquela sacaneada boa em cima da gente
Terminei a primeira temporada de One Punch-Man, que atualmente está disponível lá na Netflix, com uma sensação interessante: o anime estava tirando com a minha cara ao longo dos seus doze episódios.
Para quem não sabe, One Punch-Man conta a história de Saitama, um super-herói extremamente poderoso, que derrota todos seus inimigos com apenas um golpe (um golpe, One Punch-Man, sacou?) e encontra-se muito entediado devido a não encontrar mais nenhum inimigo que devolva a ele a adrenalina e o frio na barriga de uma boa batalha.
Como foi divertido ser sacaneado por esse anime. Essa sacaneada vem na na construção da dinâmica entre o Saitama e seu aprendiz, Genos.
Saitama
Saitama é o oposto do herói de anime que conhecemos.
Esqueça a variação de cor e tamanho de cabelo, ele é careca (e odeia esse fato). Quimonos, armaduras, trajes espaciais, músculos que aparecem até as veias, esqueça também. O protagonista é magrinho magrinho. Gritos, poderes especiais, bombas de energia, impulsividade, gula na hora das refeições. Tira isso da cabeça porque o Saitama não é nada disso.
O protagonista que temos aqui não passa nem perto daqueles que conhecemos.
Outra quebra de expectativa se dá com a origem da sua força. Acostumamos com mestres, provações, origens secretas (quando não alienígenas), treinos com pesos, aprendizado de novas técnicas, sangue, suor e lágrimas.
O anime quebra as nossas pernas de novo e diz: esqueça tudo isso, você está muito mal acostumado.
O grande segredo, o treinamento especial que fez com que o Saitama se tornasse o personagem mais forte de todo anime foi: cem flexões, cem abdominais, cem agachamentos e uma corrida de dez quilômetros, diariamente, durante três anos.
É isso. Somente isso. Acredite, ou não.
Daí você pensa, “como vou me identificar com esse protagonista mó nada a vê?”
Se é esse o seu problema, o anime responde de maneira deliciosa, nos apresentando ao personagem Genos.
Genos
Se procurava alguém pra se identificar, como “nos outros animes”, esse personagem atende pelo nome de Genos.
Saca só, o cara é rápido, forte, musculoso, cabelo cheio de estilo, combate extravagante, com saltos, socos e explosões derivadas de um arsenal infinito de armas que saem de tudo quanto é lado.
Ufa.
Fora isso, ele te dá uma explicação longa, cheia de flashbacks sobre a sua origem. Quer mais? A motivação dele é a vingança por quem o deixou assim e fez mal aos seus próximos. Ainda não está satisfeito? Ele está a procura de um mestre, que possa treiná-lo, para que supere todas as adversidades que possa aparecer até o seu objetivo.
Não sei se sacou, mas o Genos é a gente.
Dinâmica
Aqui é onde tomamos aquela sacaneada boa, bonita, bem na nossa cara, pra gente nem conseguir responder e ficarmos como aqueles personagens de animes que gaguejam sempre “e…mas…mas...e…”.
Saitama é um pacato e entediado cidadão. Como sua força é absurda e simplesmente não há inimigos que o faça frente, a sua preocupação se dá com os problemas mundanos. Aluguel de apartamento, promoções em mercados, completar uma coleção de mangá, quem sabe?
Já Genos, traz uma carga dramática envolto de vingança. Auto aprimoramento, cirurgias em laboratórios, a busca pelo seu vilão misterioso e um mestre que possa lhe ensinar o caminho e o sentido da vida.
Ambos convivendo num mesmo universo. Ali, no mesmo planeta. É um absurdo maravilhoso ver tamanha diferença, preocupação e ação frente ao adverso.
Mais interessante ainda é em como One Punch-Man nos mostra esse contraste.
Não somente nas cenas de luta, envolto de vilões exageradamente musculosos e destrutivos, com um Genos também musculoso e destrutivo, servindo de contraponto com um Saitama calmo que resolve tudo em um único golpe, sem acrobacia alguma.
O anime foca essa enorme diferença em seus comportamentos mais mundanos.
Tem uma cena muito boa que ilustra bem isso.
Saitama salvou o Genos de um vilão, tipo aqueles “vilões do dia”. Espantado com tamanha força, Genos faz de tudo para que Saitama o aceite como um aprendiz.
Uma cena que ilustra muito bem isso é quando ambos estão no apartamento do Saitama. Nisso, Genos resolve contar a sua história, motivação e tudo que (achamos) ele tem direito. É um monólogo extenso, desgastante, sem nexo, até porque, se pararmos para pensar, como se abre assim a uma pessoa que mal conhece?
Bem, quem nos mostra isso é o protagonista, que (tenta) interromper com algumas coisas do tipo “porque você tá falando tanto?”, “quem te convidou a entrar aqui?”, “não consegue resumir?”.
Quando me dei por conta, concordei com o Saitama. Quando me dei por conta, de novo, reparei que eu era totalmente o Genos.
Eu sei que é bom, só tô te zoando
Isso me fez lembrar quando tomei a decisão de rever um episódio clássico dos Power Rangers. Gente do céu, pra que tudo isso? Eu pensava. De onde vieram essas explosões? Porque eles pulam por tudo? Não era melhor ter chamado o Megazord desde o começo?
Talvez essa tenha sido uma boa sacada do One Punch-Man. Ao mesmo tempo que eles nos sacaneiam, mostrando pra gente todos os esteriótipos que nos acostumamos a assistir, ele entrega exatamente isso.
Fala de absurdo, sem deixar o absurdo de lado. Esses vilões fortes, musculosos, megalomaníacos, achamos ridículos, mas, olhe só, é divertido tê-los conosco.
One Punch-Man brinca demais com esse fato sem nunca abrir mão de que tudo isso faz, ou já fez parte, de nossa vida.
Como se nos falasse: “eu sei que é bom, só tô te zoando”.