Os 500 dias de uma idealização comum

Antes de qualquer coisa, assista ao filme “500 Dias com Ela”, de Mark Webb.

Blue Livino
Revista Subjetiva
6 min readMay 6, 2017

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Há uma tendenciosa discussão sobre qual dos personagens de “500 dias com ela”(2009) é o mais detestável. No primeiro momento, ou na primeira assistida, Summer é considerada o grande monstro do filme — tanto que já previamente somos avisados que não se trata de uma história de amor, e a culpa é automaticamente posta sobre ela. Depois vem uma oscilação entre ela e o Tom, sendo o segundo o grande injustiçado. Mas na verdade, o grande monstro da história é o egoísmo, e em segundo lugar, a idealização.

Procurando por textos sobre esta história, em sua grande maioria a Summer irá ganhar uma enxurrada de xingamentos por não ter correspondido ao “amor puro e verdadeiro” do rapaz romântico que a quer tanto. Uma grande bobagem. Tom é o personagem típico romântico incurável, que acredita piamente que o seu grande amor há de chegar e corresponder a todas as suas expectativas. Geralmente este tipo de personagem é feminino, o que é um grande truque do filme, pois distorce o que o cinema está acostumado a mostrar: uma mulher que de louca apaixonada se torna obsessiva e toma atitudes consideradas insanas, e por fim se torna a grande vilã.

Com Tom foi diferente, a trama nos direciona para uma ideia onde ele é o personagem mais prejudicado, e a Summer é a grande ilusionista que o faz se apaixonar e depois o abandona. Em primeiro lugar, Summer desde o primeiro momento — lembra quando eles foram no karaokê? –, já demonstra seu pensamento, ainda que equivocado, sobre o amor e sua fantasia. A partir desse momento Tom já deveria compreender que ali não se tratava de uma mulher romântica como as outras.

Em um segundo momento, creio que neste está a chave para a mudança da sua primeira concepção do filme, ela deixa bem claro que não está interessada em algo mais sério com o Tom. Repito, Summer não está interessada em um relacionamento sério com o Tom, especificamente. Ela em nenhum momento nega a possibilidade de vir a se apaixonar de verdade por alguém em outro momento de sua vida.

Toda a construção da ideia de que a Summer poderia vir a mudar tornou-se um desafio para Tom. Ele acreditava que seria o homem que “derreteria o gelo” que era o coração dela. Mas estava redondamente enganado. E então, criou uma expectativa equivocada, e acabou entrando em uma profunda tristeza, por estar frustrado já que não obteve sucesso em transformar Summer em alguém como ele.

É compreensível também, por outro lado, que Summer por demonstrar se sentir diferente perto de Tom — permitindo que ele se sentisse único, por exemplo quando ela disse que nunca havia contado seus segredos para ninguém; ou levando ele até o seu apartamento que poucos homens frequentaram, ou fazendo coisas consideradas de casais: comer fora, fazer sexo no banheiro, compartilhar seus mais profundos pensamentos, etc — , pudesse estar dando sinais de que ele seria o homem certo, e assim contribuindo ainda mais para o delírio dele. É aqui que se começa a ver a Summer como vilã, no entanto esquecendo rapidamente o que ela disse no início, e que repito: ela não estava interessada em uma relação séria com Tom. Eis o único pecado de Summer: retribuir o amor profundo de Tom com “apenas” sua amizade.

Nesta história, não há certos ou errados, o que há é uma incompatibilidade de interesses. Se Tom tivesse seguido o fluxo de Summer, e agido da mesma forma que ela, respondendo as suas carícias e compartilhando seus gostos, porém sem o interesse de mudá-la em relação ao amor, teria evitado o máximo de sofrimento pelo qual ele passou a partir do 400° dia, ou antes.
Adentrando mais um pouco na trama, a personagem que mais chama atenção pela maturidade é a irmã mais nova de Tom, Rachel. Ela o orienta a todo momento, e ele a ignora, optando por continuar acreditando na ilusão de que faria Summer acordar e o amar para todo o sempre. Rachel desde a primeira cena, onde Tom estava quebrando pratos em sua cozinha só porque Summer disse que ele ainda era seu melhor amigo — qual o problema de ela ter dito isto, aliás? Se em um relacionamento espera-se que o casal seja no mínimo amigo — , disse para ele que ela talvez não fosse a pessoa certa e o orientou a deixar Summer de lado.

Com este panorama, fica mais claro que o que há é justamente a incompatibilidade de intensidade. Summer de um lado não cria nenhuma expectativa em relação a sua vida amorosa, e para ela, pelo menos o que pareceu — mesmo ela sendo descrita sob a perspectiva de Tom, o que torna a história bem tendenciosa para um lado onde ela é a culpada de todo o sofrimento de Tom, e não ele próprio–, Tom não seria o homem de sua vida, mas ela queria poder contar com ele quando precisasse, sem as neuras desnecessárias que ele inventou.

Do outro lado, Tom nos faz ver a Summer como uma pessoa que gosta de brincar com sentimentos, e ele era apenas a sua vítima. Mas o que não está explícito, é o imenso egoísmo de Tom. Veja, ele aceitou o desafio de modificar a concepção de Summer sobre o amor, e quando falhou, não soube lidar com o seu fracasso. Ora, não se deve ousar esperar algo em troca de alguém em se tratando do amor — embora seja muito difícil — , Summer não é obrigada a gosta de Tom com a mesma intensidade que ele.

Tom ao invés de aceitar e seguir em frente, simplesmente passou a odiar tudo o que sentiu, passou a evitar Summer e toda a história que viveu ao seu lado. Muito difícil para ele aceitar que, primeiro, ele idealizou uma Summer que não existia; e segundo, não foi maduro o suficiente para admitir que ele não era o homem certo para aquela mulher de simples.

Todo o sofrimento o qual ele se submeteu, se deu por ele depositar em Summer todo o seu rendimento fosse profissional, fosse emocional — e não nele próprio. E é nisso que reside seu pecado. Tom não foi autossuficiente, e se frustrou por isso. Intensidade é interessante, mas demasiada pode se tornar o pior pesadelo de um ser humano.

Por fim, a frase que melhor define o que deve ser uma relação, é a do melhor amigo de Tom, Paul, que ao falar de sua namorada Robyn, diz que ela é a mulher certa para ele justamente porque ela é real, e não uma ideia que ele tem em sua cabeça acerca de uma mulher que ele considera ideal. Enquanto o mundo não pensar como Paul — e Rachel — , Summer sempre será a vilã, e o Tom, o homem egoísta e desgastante, sempre será o injustiçado. Bingo.

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