Os adultos que não terminavam livros

Carolina Bataier
Revista Subjetiva
Published in
6 min readJan 15, 2018

Meia-noite, eu sentava diante do computador. Às vezes, um pouco mais tarde. A voz do Jô Soares abafada pelo som da discagem. Então, conectada, passava mais ou menos uma hora conversando no MSN e lendo debates em comunidades do Orkut.

Naquela época, tive um vislumbre. Um dia, quando tudo isso passar, vamos nos desesperar diante do tempo perdido na frente desta tela.

Parece que o momento chegou.

Faz 5 meses que a autobiografia da Rita Lee está sobre a minha escrivaninha. Na primeira vez, li 25 páginas. Na segunda tentativa, mais cinco. Na terceira, dois parágrafos. É um livro divertidíssimo. O problema sou eu.

Aos 14 anos, li Olhai os Lírios do Campo, do Érico Veríssimo, em uma semana. O Exorcista levou três dias. A revista Placar era devorada em uma hora. No meio do caminho, alguma coisa deu errado e nós sabemos o que é.

Um amigo está com a dissertação do mestrado entalada entre os dedos. Reclama dos livros acumulados por meses, renovados quinzenalmente na biblioteca da universidade. Sente culpa em ver a pilha de lombadas com nomes de tantos teóricos que têm coisas novas a dizer e não dizem porque há sempre um vídeo de cachorrinho passando pela timeline. O colega de trabalho conta que não consegue mais ler livros, qualquer bobeira tira sua concentração. No almoço, ele mantém os olhos na tela do celular.

A culpa não é da internet, que traz tanta coisa boa, textos aos quais, sem ela, jamais teríamos acesso, conhecimento compartilhado e documentários gratuitos. Somos nós e nosso modo de vida que exige correria, produtividade e inovação a cada semana. Talvez fugir do aprofundamento seja um artifício das mentes cansadas.

Nessa busca por um refúgio confortável em fofocas de youtubers e vídeos de gatinho, nossa mente foi formatada. Nossa capacidade de concentração passou de 50 minutos — éramos ou não incríveis? — para 9, aproximadamente. Quem diz isso não sou eu, embora tenha autoridade suficiente para afirmar que o mau uso da internet estragou minha capacidade de foco e aprofundamento, eu que tenho uma dissertação para escrever e nunca passo do segundo parágrafo.

“ O uso da internet, por si só, modifica nossa capacidade de concentração, reflexão e contemplação. Estimula uma leitura fracionada das informações, o que prejudica a concentração em apenas uma única fonte (como a leitura de um livro, por exemplo)”, explica a psicóloga Viviane Nicoliello, para quem finalmente enviei um e-mail depois de passar dois meses pensando neste assunto e adiando a entrevista porque sempre acabava me distraindo com algo no meio do caminho.

Viviane é psicóloga e trabalha com mindfulness, um método que tem como objetivo desenvolver a consciência do momento presente por meio da atenção plena. O conceito é aplicado tanto na meditação quanto no trabalho de psicologia, adaptando-se a cada atividade. A ideia é esta: viver o momento presente e aprofundar-se nele.

Ou, como explica Viviane, sair do piloto automático e dar total atenção a cada uma das atividades que realizamos, uma por vez. Isso não tem nada a ver com autoajuda e frases feitas que dizem viva o presente e seja grato pelo que você tem. É viver o presente e ter a certeza de que tirou o ferro de passar da tomada antes de sair de casa.

A psicóloga dá o exemplo sugerindo que eu imagine duas situações:

No primeiro cenário, estou conversando com uma criança pequena, andando devagar, parando com frequência, vendo por meio dos olhos dela riqueza de simples objetos. Estou enxergando as coisas como se as visse pela primeira vez. Realmente vivendo a vida como ela acontece, em conexão com o mundo, vendo, saboreando, sentindo os cheiros e toques.

No segundo cenário, estou no carro, percorrendo um caminho familiar e, de repente, me dou conta de que, por quilômetros, estive inconsciente do ambiente imediato (a realidade palpável, as pessoas na rua, as avenidas, a direção do carro, a sujeira no painel), completamente perdida em pensamentos. Isso é estar no piloto automático.

Uma mente inclinada à distração é isca fácil para o conteúdo vazio. Uma olhadinha no Instagram pode ser a porta de entrada para 20 minutos timeline abaixo vendo fotos das férias de gente que nunca nos falou bom dia.

Viviane explica que cada vez que abandonamos nossa atividade e nos distraímos com as redes sociais, levamos 15 minutos, em média, para retomar a concentração. As escapadas para o Facebook consomem tempo que pode ser convertido em lazer no fim do dia, por exemplo. É um prazer efêmero que, a longo prazo, nos subtrai momentos de alegria e aprendizado.

Assumir a direção da mente exige esforço. Mas não é preciso fugir para as colinas e ou refugiar-se no Tibet para retomar a atenção ao que está diante dos olhos. Deixar o celular na mesa do trabalho na hora do almoço pode ser um bom começo. Uma horinha longe dele não mata ninguém. É uma oportunidade de prestar atenção ao prato, ao cheiro da comida, ao sabor e às palavras do amigo ou colega que te acompanha. Ou às pessoas que almoçam ao redor.

Estabelecer outros momentos da rotina para estar longe da internet também é uma sugestão. Pela manhã, antes de conferir e-mails, notificações e notícias, tome o café em paz. Ninguém precisa saber da última do Trump nos primeiros minutos do dia.

Vale desativar notificações, deletar aplicativos, comprometer-se a manter uma só aba do navegador aberta. E, sempre que sentir o impulso de conferir o Facebook, pondere se isso é necessário naquele momento. Respire fundo. Expire.

São coisas que venho tentando.

Em 2018, vou ler os livros que não li nos últimos anos. Estão todos empilhados na estante. Uma estante linda, de madeira escura, com vasos de plantas (dois), lápis de cor (uma caixa), uma foto de Frida Khalo, uma do Paulo Leminski, um quadrinho feito à mão onde há roupas no varal numa viela da Itália, uma garrafinha de cachaça pela metade, um despertador, duas garrafinhas de cachaça vazias trazidas de lembrança de uma viagem, uma lata de spray transformada em peça de arte, um porta-canetas. Bem diante de mim. Agora. Neste instante.

  • Eu escrevi esse texto em duas etapas. Comecei no dia 8 de janeiro, parei porque precisava de mais informações e retomei no dia 13. Na segunda vez, abri a tela e demorei 10 minutos para voltar a ela e dar início à escrita. Parei três vezes: uma para brincar com a cachorra (válido), uma para beber água (importante) e outra para conferir as notificações do Facebook, que estava aberto na aba ao lado do Medium. Então, decidi fechar a aba e dar continuidade. Pensei em parar outras duas vezes porque meu celular estava ao meu lado e recebeu uma notificação do Instagram. Respirei fundo e ponderei se era realmente importante conferir a mensagem naquele momento. Desisti.
  • A foto acima é do Gabriel Duarte, meu amigo-irmão, personagem desse texto que parou a escrita da dissertação de mestrado para garantir o registro da nossa estante.

E você, quanto tempo levou para ler este texto até aqui?

Para comprar o livro O pôr do sol dos astronautas e ler texto inéditos da autora, você pode clicar aqui.

Gostou? Clique nos aplausos — eles vão de 1 a 50 — e deixe o seu comentário!❤

Nos siga no Facebook, Instagram e Twitter.

Saiba como publicar seus textos conosco clicando aqui.

Leia a nossa revista digital clicando aqui.❤

Participe do nosso grupo oficial, compartilhe seus textos e adicione os amigos!

Se inscreva em nosso canal e assista ao nosso último vídeo:

--

--