Os bolsos, a Indústria da moda e o machismo
Um dia desses, antes de sair, decidi que não iria levar bolsa. Tirei meus pertences que já havia guardado e tento sem sucesso colocar tudo nos meus bolsos, logo após, desisto e devolvo tudo para a bolsa. Eram coisas simples: chaves, celular, fone de ouvido, Bilhete Único, identidade e dinheiro.
Finalmente saí, encontro meu namorado e pergunto se não trouxe nada, ele responde “Claro que trouxe!” e bate nos bolsos para ouvir o barulho das coisas, que na maioria das vezes são: sua carteira (que é grande), celular, identidade, Bilhete Único, fones de ouvido, um pacote de bala Halls e ate já teve um pacote inteiro do biscoito Trakinas. E a partir deste dia, comecei a reparar na diferença entre os bolsos das calças ditas “femininas” e “masculinas”.
Lembrando que roupas não possuem gênero, neste texto usarei o “feminino” e “masculino”, pois é o termo que sempre acabamos utilizamos para rotular cada tipo de roupa. Mas felizmente, principalmente no mundo fashion, está se entendo que as roupas não possuem gênero e que são genderless ou agender, ou seja, sem gênero.
As minhas roupas que contém bolso, sejam calças, blusas, vestidos ou saias, são totalmente inúteis. A única peça que tenho que contém bolsos úteis é um macacão — que acho que foi da minha mãe — dos anos 70/80 e tem seis bolsos maravilhosos. Hoje em dia para solucionar o problema com as outras peças de roupas, uso uma bolsinha antifurto — são quase a mesma ideia das algibeiras do século XVII. Não é grande coisa, mas são maiores que meus bolsos.
Você já parou para pensar o porquê disso? Do por que das roupas femininas serem desprovidas de bolsos úteis? Pode ter certeza que a resposta tem a ver com gênero e sexismo, pois a maioria das situações sociais não são por acaso, e com a moda e os bolsos não seria diferente. Cada peça, molde e corte tem um significado na sociedade dependendo de sua época
História do bolso
Antes dos bolsos surgirem, homens e mulheres utilizavam algibeiras luxuosas. Usavam as amarradas ao cinto, mas não faziam muito sucesso por facilitar a vida dos batedores de carteiras, pois bastava apenas um pequeno puxão que ela se soltava do cinto. Então para evitar os roubos, colocam a sob as roupas, porém alcançá-la era complicado devido as várias camadas de roupas, principalmente para as mulheres de famílias com posse, pois as mulheres pobres não tinham nada para guardar nas algibeiras— algumas tinham algibeiras, mas das mais simples possíveis.
Século XVII
Após perceberem que tinha como adaptar as algibeiras, criaram os bolsos, que costuraram diretamente os sacos de pano na roupa, mas apenas nas roupas masculinas. As mulheres continuavam a enrolar o saco em volta da corda e colocar sob varias camadas de panos, e para pegar algo neste saco era totalmente inacessível em público, pois elas deveriam levantar todo o vestido para pegar o objeto e com isso mostrar partes do corpo que naquela sociedade puritana era inaceitável. Logo, já era difícil para as mulheres saírem sozinhas e ainda mais sair sem ter um bolso acessível onde poderiam colocar dinheiro ou qualquer coisa que precisassem, as faziam ser ainda mais dependente dos homens.
Século XVIII
Época do iluminismo na Europa e da famosa Revolução Francesa, dando fim a Idade Moderna e início da Contemporânea, os bolsos das mulheres finalmente evoluem, depois de quase um Século, surgem os bolsos que amarram por cima da roupa — podemos dizer que é a “mãe” da pochete — , e finalmente facilita o acesso das mulheres aos pertences guardados. E novamente a questão social em que as mulheres ricas já estavam na transição para os bolsos e as mais pobres usavam de segunda mão as algibeiras dadas pelas suas patroas ou nem usam, pois não tinham o que guardar de tão miseráveis, e ai vemos como a moda sempre foi um fator de distinção social.
O aspecto político de um começo de liberdade a mulher começa a partir deste século, pois como dito antes a ausência dos bolsos faziam com que as mulheres fossem mais dependentes dos homens, pois se tivessem que sair nunca poderiam ir só, não tendo bolsos elas não poderiam mais frequentar os espaços públicos sozinhas.
Com o início da Revolução Industrial, ainda no século XVIII, os bolsos chegaram apenas nas roupas das mulheres da classe trabalhadora. Devido a questão da praticidade seus vestidos e casacos passaram a ter bolsos costurados diretamente na roupa.
Século XIX
Século conhecido por ser a época de proclamação de Independência de vários países, principalmente os da América, o que foi ótimo, mas para os bolsos das mulheres este Século não foi muito bom, pois ele caiu em desuso. As mulheres ricas, inspiradas na silhueta das deusas gregas, começaram a se vestir com roupas menos volumosas, não tendo como encaixar os bolsos em nenhuma hipótese por fazer muito volume, logo, eles foram descartados. Então, para substituir os bolsos, nascem às bolsas, que na época chamava retículas. Eram pequenas e não dava para carregar praticamente nada, ainda mais o dinheiro que na época eram papeis grandes, então quem carregava eram os homens. Mulheres vistas com retículas maiores que cabiam o dinheiro, que geralmente eram mulheres trabalhadoras, eram julgadas pela sociedade como uma mulher que não se dava ao valor, que não fazia “coisas de mulher” e que não cuidava de sua família, mas isso era apenas desculpa para falar que a mulher não deveriam ter acesso a posses. As mulheres pobres continuavam a usar o bolso e, novamente, a peça continua sendo uma distinção de classe.
Início do século XX
Entre o finalzinho do século XIX e o começo dos XX, as mulheres começam a se rebelar e costurar os bolsos nas saias. E com as guerras mundiais, as mulheres foram obrigadas a exercer o “papel” dos homens nas cidades, e com isso veio a preocupação de roupas uteis para poder exercer o antigo papel dos homens, com trabalhos pesados, que com saias e vestidos eram complicados de realizar. Com isso um grande número de mulheres começou a usar calça e com elas vieram finalmente os tão sonhados bolsos.
Após as guerras, a moda começou a pensar como seriam as calças femininas e obcecada — como sempre — a partir daí pela questão da magreza, os bolsos são retirados, pois eram vistos como vilões, assim como no século XIX.
Final do século XX
Os anos 70 e começo dos 90 foi um respiro para o bolso, a moda feminina veio com o estilo boyish, com gravatas, calças e blusas largas, coletes e sapatos sociais, ou seja, uma moda mais masculina, onde as roupas tinham bolsos fundos. E também tivemos os hippies, com as mulheres de calças folgadas de boca de sino e bolsos.
Mas no final dos anos 90, com o sucesso de Britney Spears e sua imortalizada calça de cintura baixa, a valorização das silhuetas finas apenas cresceu e com isso os bolsos sumiram novamente.
Século XXI
Em pleno século XXI, em uma época que todos carregam o celular o tempo inteiro, nós não temos nem onde guarda-los, só em lugares desconfortáveis , se estamos sem bolsas, nossa única escolha é carregar nas mãos, pois a maioria dos bolsos continua sendo inúteis e falsos. Isso se deve pela moda sempre nos querer magras, a mesma sempre fez a distinção das pessoas entre ricas e pobres antigamente e hoje em dia acrescentamos a gorda e magra. Antigamente, a ausência dos bolsos poderia ser vista na visão sexista de não deixar a mulher ter o poder de suas posses, já hoje em dia a sua ausência é explicada mais pela estética, pois segundos fashionistas: bolsos engordam, e dependendo do seu tipo de corpo você deve ou não ter roupa com bolso. Então para padronizar as marcar decidiram abolir os bolsos grandes e apenas colocar bolsos de enfeite, que são apenas inúteis.
O site “The Atlantic” fez uma pergunta pertinente sobre o tema em um texto publicado em 2014. Mesmo depois de tanto tempo, em uma era em que mulheres conquistaram tantos dos espaços que antes eram ocupados apenas por homens — como uma indústria cujo público que foca sua comunicação e produtos nas mulheres ainda não se deu conta de que elas também precisam de bolsos?
“Um homem pode simplesmente deslizar as chaves e o iPhone para dentro do bolso para sair para uma reunião com os amigos. Uma mulher que vá na mesma reunião ou precisa carregá-los na mão ou precisa trazer a bolsa toda com ela — um sinal definitivo e claro de que ela é uma mulher”, destaca o texto.
Portanto, após estudar um pouco mais sobre a história moda — não sou uma especialista, apenas uma curiosa — , essa questão de ter ou não bolsos nas roupas femininas é apenas mais um mecanismo de controle sob as mulheres, antes do dinheiro e agora dos nossos corpos, para ser esteticamente aceitável na visão da sociedade atual do que é belo ou feio. Sejam nos bolsos, nas roupas, no comportamento, no trabalho, o salário, se analisarmos bem a história, irão perceber que apenas estamos pedindo uma única coisa: a Igualdade.
