Os Incríveis 2, Super-Heróis e a Percepção na Política

Em vista da onda cultural onde o collant é a tendência, dá pra se traçar um paralelo interessante entre a nova política brasileira e um filme em particular com algo a dizer sobre simulações.

André Arrais
Revista Subjetiva
7 min readJan 28, 2019

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Divulgação: YouTube

ESSE TEXTO CONTÉM SPOILERS DE OS INCRÍVEIS 2!

Oficialmente podemos decretar que vivemos na “Era dos Super-Heróis’’ culturalmente falando, afinal, depois da Marvel Studios ter encontrado sua receita de bolo que vale bilhões em bilheterias ao redor do mundo lá em 2008 com o primeiro Homem de Ferro e elevada à décima potência com Vingadores em 2012, a corrida de todas os estúdios hollywoodianos é de ter sua franquia de poderosos para chamar de sua e reunir no seu grupo próprio. A Warner Brothers está tentando fazer a DC funcionar nas telonas, entre falhas grosseiras e acertos oportunos, a Fox acabou de ser comprada pela Disney e agora os X-Men pertencem a ela, além de outros projetos laterais como os de monstros icônicos da Universal (Drácula, Frankenstein, Múmia…) que nasceu fracassada em Dracula Untold e Mummy.

Mas a Pixar já tinha, lá em 2004, feito sua própria animação sobre uma super-família e depois de 14 anos, volta em um momento mais que oportuno para dar sua contribuição com um delicioso porém. Não satisfeito em agraciar a infância de alguns — incluindo a minha — , é possível dizer que Os Incríveis 2 tem, como poucos aí no mercado, podendo ser citado Batman vs Superman, na sua tentativa e Pantera Negra, algo a falar e apresentar mais do que um entretenimento momentâneo.

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Os Incríveis 2, dirigido por Brad Bird, traz de volta a família Parr (ou Pêra, se preferir) após os eventos do primeiro filme tendo que lidar, mais uma vez, com as consequências da lei que proibia qualquer tipo de ação de vigilantes, citado no primeiro filme em seu começo, isso até Winston Deavor, um bilionário da mídia entrar, motivado pelo seu afeto dos heróis fruto do seu pai, derrubar a lei através de ações publicitárias, auxiliado pela sua irmã, Evelyn. E é aí que o filme entra para oferecer não só comentários sobre a realidade, a mídia, como o papel dos heróis na sociedade atual. Logo que o personagem de Winston é apresentado, Robert, Lucius e Helen são perguntados do motivo pelo qual a sociedade em primeiro lugar os rejeitou. E a resposta não podia ser mais certeira: Perspectiva.

A percepção do público foi construída ao redor não dos feitos heroicos, das vidas potencialmente salvas, mas do crescente aumento da criminalidade e da destruição que acabavam sendo ocasionado pela intervenção destes, portanto, logo a única forma de descriminalizar a ação vigilante seria através da percepção do público, alterando para que saísse da condição onde se pensa que estes trazem a criminalidade e sim, aqueles que impedem com que está cresçam, funcionando como outra malha para a segurança pública. Para isso, Deavor se utiliza da figura da Mulher-Elástica, alinhada com uma câmera para que a perspectiva do vigilante seja integrada a informação. Em outras palavras, se a percepção do público for alterada, essa se torna a realidade, não se tratando de fatos, ou de alteração da forma como os vigilantes abordam as decisões de risco, os danos colaterais ou sequer o debate se, de fato, a existência de super-heróis incitam a existência de super-vilões.

Portanto, Deavor está apenas simulando uma visão onde super-heróis são, apesar de tudo, necessários e figuras necessárias para a manutenção da ordem, com isso, podemos assumir que, neste mundo ficcional, realidade não molda percepção e sim, percepção que molda a realidade.

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Dada essa informação, entra a figura do Screenslaver, ou Hipnotizador, a figura de contraponto aos heróis. Em sua terceira aparição, é onde o vilão apresenta parte da sua motivação, alegando que, a cultura do super nada mais é do que outra forma de docilização do público, mantendo o estado de consumismo e de uma troca de experiências reais por simulações, enquanto os mesmos mecanismos de exploração e alienação continuam funcionando normalmente. Com isso, heróis se tornam parte de um problema muito maior do que a criminalidade, sendo apresentados como peças políticas a serem utilizadas. E é aí onde o filme toma um caminho subversivo ao estar apontando o dedo metalinguisticamente para o público que está confortável em suas cadeiras, vendo o dia sendo salvo por heróis. Afinal, não estamos todos vivendo e ansiando pelo salvador da pátria?

Jair Bolsonaro, Donald Trump e muitos outros foram elegido em cima não de fatos, não em base de qualquer realidade palpável, não em cima de tópicos que atingem sua população de uma forma real e com soluções reais, estruturadas e a longo prazo, mas através de uma plataforma onde, utilizando-se de dilemas e problemas reais, se encaixa neles uma ficção clássica do inimigo exterior, podendo ser os “professores marxistas’’, do kit gays, das mamadeiras de piroca ou dos comunistas com seu “marxismo cultural” que, enquanto são grandes inimigos com tentáculos esticados para qualquer ponto que soe agradável ser um inimigo, ao mesmo tempo, são frágeis o suficiente para nosso herói dos bons costumes vir e resolver nossos problemas, com um estado diminuto, com armas para nos “proteger’’, uma polícia mais abusiva, mais racista e conservando, quando não, aumentando os privilégios da classe empresária que sempre foram fontes de consciência social (Olá, senhor Luciano Hang!).

Divulgação: Jornal O Sul

O ‘’mito’’ do Clã Bolsonaro foi construído através da percepção e não será desconstruído só através das consequências do governo, como muitos querem acreditar, mas através da mudança de percepção que agora, com a possível entrada da CNN para o Brasil para servir aos interesses do governo, se torna interessante para a Globo ser mais incisiva sobre o caso Queiroz, mesmo que denúncias de irregularidades, fraudes, funcionários fantasmas, corrupção e caixa 2 estivessem a todo momento aí, só basta o interesse da mídia, mas o plano do Paulo Guedes era bom demais pra essa classe e portanto, era interessante endossar a campanha do presidente, ou no cenário menos cínico, fez vista grossa.

Por mais que esse fenômeno não seja exclusivo da nova direita e que o Brasil sofra desse problema de necessitar de uma figura paternal desde que esse país se conhece por tal, este se torna mais pertinente em face dos três filmes anuais da Marvel saindo aí do forno, pronto pra todos nós sentarmos no cinema, em casa ou seja onde for esperando que esses heróis saem das telas, resolvam nossos problemas e que possamos nos apropriar da experiência disso para sentir que, de fato, fizemos algo para solucionar os problemas reais e ficcionais.

Uma vez mais, política está sendo construída em cima de propaganda e simulações de uma realidade paralela construída em delírios de think tanks e pretensos filósofos, e mesmo que não haja uma realidade concreta e sim versões de uma realidade que cada um construída, esse processo se tornou ainda mais preguiçoso, mais relaxado, mais mastigado e cada vez mais entregue ao público das mais distintas mídias, porém, agora que essa narrativa é o centro do poder, percebemos que os bons heróis não passam de promessas vazias, como foi e ainda é o grande juiz Sérgio Moro, resquício daquela época onde quem salvaria o Brasil era o Judiciário. Pra variar, essa narrativa caiu por terra também, mas o cabo eleitoral predileto do país não consegue se pronunciar sobre questões de corrupção dentro do próprio governo, quando não hesita em passar a pano pras medidas desenhadas justamente para impedir a justiça que, quando funciona e atinge pessoas de interesse, é castrada.

Por fim, fica aqui uma fala de Jean Baudrilard em America — o filósofo pós-moderno francês que cada vez mais deveria ser discutido e lido para se compreender essa nova realidade -. sobre o presidente americano Ronald Reagan, que se encaixa perfeitamente para o nosso “mito’’.

Divulgação: VEJA

“É também o sorriso de Reagan — a culminação da auto-satisfação da nação americana inteira — que está no caminho de se tornar o único princípio do governo. Um sorriso auto profético, como todos os sinais em publicidade. Sorria e os outros vão sorrir de volta. Sorria para mostrar o quão transparente é, o quão cândido você é. Sorria se você não tiver nada a dizer. Mas acima de tudo, não esconda o fato que você não tem nada para dizer, nem sua total descaso aos outros. Deixe com que esse vazio, essa profunda indiferença brilhe espontaneamente no seu sorriso. Dê seu vazio e desdém para os outros, ilumine sua face com essa falta de alegria e prazer, sorria, sorria, sorria… Americanos podem não se identificar, mas eles tem maravilhosos dentes.

E funciona. Com esse sorriso, Reagan obtém um consenso maior do que qualquer um que um Kennedy com mera razão ou inteligência política. O recurso de um puro elogio, seja este animal ou infantil, é muito mais efetivo e toda a população americana se une nesse efeito pasta de dente. Nenhuma ideia — nem mesmo o valor da moral de uma nação em sua totalidade — poderia produzir um resultado tal. A credibilidade de Reagan é exata a sua transparência e a nulidade do seu sorriso.’’

Fontes

WISECRACK - The Philosophy of The Incredibles 2

CUCK PHILOSOPHY - American Psycho, Baudrillard and the Postmodern Condition

AMERICA - Jean Baudrillard

SIMULACROS E SIMULAÇÕES - Jean Baudrillard

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André Arrais
Revista Subjetiva

Graduado em Direito, escritor e invariavelmente cansado.