Os planos que ficaram para trás

Sobre o que realmente faz falta nessa quarentena

Yasmin Narcizo
Revista Subjetiva
3 min readApr 19, 2020

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Tenho achado muito interessante observar sobre o que as pessoas têm reclamado durante os dias de confinamento por causa do COVID-19. E por “as pessoas”, me incluo nesse time, é claro.

Já repararam que não se fala em nada grande? Nesse momento, poucos são os que sonham (ou que podem sonhar) em serem promovidos, fazer uma viagem internacional, comprar um carro novo, começar um ano sabático, se mudar para um apartamento maior, abrir uma empresa, ter um filho, pedir alguém em casamento. E, olha, algo me diz que toda essa suspensão de desejos não está (apenas) ligada a inseguranças financeiras.

Tenho a impressão que quando nos tiram tudo aquilo que temos garantido como certo, a sensação de perder o chão é tão gritante que domina e subjuga a nossa capacidade de olhar para o futuro com ambições.

Agora que ficaram para trás as comemorações de aniversário, o brunch a dois, a exposição de arte que chegou na cidade, o curso presencial para mudar de carreira, a aula de yoga, o abraço apertado nos amigos, os domingos deitados na grama do parque, a feira cheia de delícias, a visita aos parentes, a busca pelo novo apartamento, vemos como faz falta e como é especial o que é corriqueiro.

A minha teoria é que isso acontece porque as pequenas coisas que compunham a nossa vida não são apenas um símbolo de uma rotina estabelecida: elas são um exemplo diário (ainda que passe despercebido na maioria das vezes) de tudo que nos faz minimamente feliz, por mais bobas que possam parecer.

Já vi de um tudo nesse período de isolamento. Gente sentindo falta das horas intermináveis no salão de beleza, de ter que levar os filhos na escola, de pagar caro por uma comida meio mais ou menos no restaurante perto de casa e até de (pasme!) ir à academia.

E, no meio desse novo modo de existir em sociedade, o que mais circula é a pergunta: o que você vai fazer assim que a quarentena acabar? Você saberia responder?

Fiquei pensando sobre isso outro dia. Eu acho que vou deitar na grama, olhar pro céu, sentir o sol bater e ouvir o barulho de gente.

Eu quero marcar todos os encontros. Ir a todos os museus. Experimentar todos os restaurantes que estavam na minha lista. Quero fazer um brinde.

Quero nunca mais deixar um corte de cabelo para depois. Quero priorizar o conforto na minha casa, mesmo que isso custe um pouco mais do que eu gostaria.

Quero andar na rua e sorrir para outras pessoas. Quero fazer todos os piqueniques que eu deixei para depois. Quero sentir de novo a cidade pulsar sob os pés.

Quero fazer tudo que me arranque um sorriso besta, mesmo que por um segundo. Porque é nas pequenezas diárias que se manifesta o que nos é mais valioso: a liberdade.

Photo by Martin Moreno on Unsplash

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Yasmin Narcizo
Revista Subjetiva

Jornalista por formação, publicitária na raça e autora do “Não tô sabendo lidar”, à venda na Amazon. Observa o mundo com olhos de quem não entende nada mesmo.